Muitas figuras marcaram aqueles quase dois anos de Hotel Maduro. Havia um armazém na parte inferior do mesmo que pertencia aos irmãos do proprietário do hotel. Seus nomes: Antônio e José de Sousa Pinto. Um deles tinha um filho motorista de ônibus da linha Lavras - Varginha e fazia suas refeições junto conosco. Chamava-se Domingos.
Sélvio era um filho de Feliciano (o dono) que gostava de jogar basquete e às vezes vinha com seu time disputar alguma partida na Quadra Charlo Lage. Alfredo era alcoólatra e vivia de favor no hotel do irmão. Frequentemente estava caído, bêbado, em algum corredor do prédio. De vários irmãos, foi justamente o ébrio quem mais demorou a morrer. Provavelmente, como tantos outros, foi conservado em álcool.
Vários representantes comerciais, comerciantes e empregados de São Lourenço hospedavam-se lá e de muitos tornei-me amigo. Eram eles: Manduca Dutra, Hélzio Scarpa, José Domingo Centi Amado, Antônio Poli e Hercílio Pinto, entre outros. Este último achava engraçado ao me ver assoviando constantemente a música do padroeiro de São Lourenço:
−São Lourenço padroeiro, deste nobre e bom torrão.......
Havia hóspedes que moravam lá, como eu. Outros, passavam temporadas. Certa vez fiquei amigo de José Carlos Tomás, de Jaú e de Aloísio Palma da Silva, de Cruzeiro. Nunca mais os vi. Parece que tinham algum emprego em Varginha. Este último foi despedido no dia 20 de junho de 1962 e chorava copiosamente pelo erro que precipitou sua demissão. O primeiro, em uma das vezes em que passou por lá teve que ser operado de apêndice e eu estava sempre conversando com ele, na recuperação.
Dava-me pena vê-lo sozinho, distante da família e restabelecendo-se de
uma cirurgia. Também passaram por lá empregados do Estaleiro Ishikawajima com quem fiz amizade.
Armando Bagni era de São João del Rei, estudava na minha escola, sendo de uma sala uns dois anos na frente. Fazia suas refeições no hotel, assim como seu irmão Homero, agente do IBGE. Uma vez meu irmão, ele e mais alguns fizeram um grupo de jovens e se auto-apelidaram de CIT (Companhia Inimiga do Trabalho). Quando eu tive a maior crise de labirintite de minha vida, estava indo à missa, com ele, numa manhã de domingo. Costumávamos frequentar a Igreja de São Sebastião onde Fuhad Lage era o pároco. Não houve missa para nós, naquele dia.
Romeu era um carioca, velho, homossexual enrustido. Possuía vários livros franceses com mulheres nuas e às vezes batia à porta de meu quarto para me levar algum deles. Naturalmente tinha esperanças de que aquela excitação num jovem de quinze anos servisse para ele. No entanto, havia coisas melhores a serem feitas... Um dia tivemos uma briga feia por causa destes temas. Mas o livro mais parecia para estudarmos anatomia. Não eram nada sexy as fotos lá publicadas. Eram apenas pessoas do sexo feminino nuas. Nada mais. “Buri” era um verdadeiro “Rei Momo”. Funcionário das Casas Buri acabou ficando com este apelido e nunca soube seu nome. Um dia tivemos uma briga na escada do velho hotel. Uma covardia dele. Devia pesar uns 200 quilos e tinha mais dez anos que eu. Mas deixou saudades quando se foi...
Também por lá passava de vez em quando uma senhora gaúcha. Estava sempre perto de mim, cantando uma música mais ou menos assim:
_−Esta noite eu chorei tanto, sozinha sem um bem...
No que dependeu de mim ela sempre continuou sozinha e sem um bem. Não houve música que desse jeito, feia, velha e gorda como era. Ainda com aquele estranho sotaque, então praticamente desconhecido.
D. Maria era arrumadeira do hotel. Uma ocasião recebeu um convite para vir
morar em São Lourenço com um dos conterrâneos que se hospedava no hotel. Mas não aceitou. Certa feita tínhamos um doce de leite guardado no armário, no ano em que meu irmão esteve junto. Na maior simplicidade, ela veio comentar como tinha achado aquele doce que minha mãe fizera gostoso. Isto é que é pureza. Confessar o roubo e ainda elogiar o produto.
Três garçons marcaram aquele tempo. Valdomiro, que também era chegado a uma pinga, morreu em seguida. Cheguei a tratar de um neto dele anos atrás, o que me emocionou. João Branco era o mais amigo. Às vezes saíamos juntos, inclusive para aquelas quermesses ao redor da Igreja Matriz de Varginha. Foi a primeira vez em que tomei quentão, na minha vida. Já João Preto não gostava de mim por uma brincadeira que fiz com ele, logo que cheguei ao hotel: enfiei um monte de palitos numa laranja com as pontas para fora e cobri, disfarçadamente com um guardanapo. Quando ele foi fazer a limpeza, ao apanhar o pano, os palitos causaram-lhe um leve ferimento na palma da mão esquerda (detalhe: ele era canhoto)..
Por fim a história de um turco que certa vez veio vender-me uma correntinha de ouro. Não me lembro de seu nome. Sei que um dia sentou-se ao meu lado enquanto esperava, no balanço, a abertura do refeitório. Puxando uma corrente do bolso interno de seu paletó, disse-me:
−Ouro duze . Cem cruzeiros! Aproveite!
Com um turco negociando cada lado e depois de muita insistência, quase perdemos o horário da refeição. Acabei conseguindo comprar a correntinha de ouro por cinco cruzeiros. 76
Não passou uma semana e estava completamente preta. O ouro duze de meu patrício era o pior metal de que se teve conhecimento. Escusado dizer-se que nunca mais o vi. Minto. Três anos depois, dentro da Casa Dutra, eu o encontrei e ele veio me dar a notícia da morte de Feliciano de Souza Pinto, dizendo:
-Suza morreu!.
(Mas que sotaquezinho ruim, gente!)
Edição 763