18/07/2022 08h10
Assassinato de petista teve motivação política, mas não é crime político
O assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda, militante petista, não pode ser enquadrado como "crime polÃtico", de acordo com a legislação penal brasileira, afirmam especialistas em Direito Penal ouvidos pelo Estadão, ainda que, na visão deles, a motivação do crime teria sido polÃtica. Nesta sexta-feira, 15, a PolÃcia Civil do Paraná indiciou o agente penal federal Jorge Guaranho, apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), por homicÃdio qualificado por ter matado Arruda, em Foz do Iguaçu (PR), há uma semana, durante a festa de 50 anos da vÃtima. O tema da comemoração remetia ao PT e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
As autoridades descartaram motivação polÃtica e imputaram duas qualificadoras - motivo torpe e causar perigo comum. Com elas, a pena varia de 12 a 30 anos de reclusão. A primeira está ligada à "discussão por motivo vil", enquanto a segunda tem relação com o fato de oito pessoas estarem presentes no local do crime e, assim, poderiam ter sido atingidas pelos disparos efetuados por Guaranho.
Segundo a delegada Camila Cecconello, não há provas suficientes de que Guaranho queria cometer um "crime de ódio contra pessoas de outros partidos". Para ela, o crime não foi motivado por divergências polÃticas, mas em razão de uma alegada humilhação sofrida por Guaranho por ter sido atingido por terra durante a discussão com Arruda. Os juristas ouvidos pelos Estadão divergem a respeito dos apontamentos das autoridades.
De acordo com especialistas em Direito Penal, no atual texto legal, o crime polÃtico ocorre apenas quando coloca em risco a segurança do estado democrático de direito, tipificação criada a partir da revogação da Lei de Segurança Nacional em 2021. Segundo eles, a lei não define a divergência polÃtica como hipótese para crime polÃtico, ou seja, não é uma espécie de crime à parte. No caso de um crime de homicÃdio, a divergência polÃtica se torna apenas um objeto para configurar a motivação do crime, o que indica a necessidade de um texto mais claro para crimes desse espectro, apontam os juristas.
Para os especialistas ouvidos pelo Estadão, é inegável a motivação polÃtica para o assassinato. A discussão permanece aberta apenas na definição da qualificação subjetiva do caso - se enquadrado como "torpe" (relacionado à desqualificação vil da vÃtima) ou "fútil" - que implica desproporcionalidade.
Para o professor de Criminologia e Direito Penal da USP Mauricio Dieter, não se trata de um crime polÃtico, mas houve uma motivação polÃtica contemplada na qualificadora motivo torpe. "A motivação é vil, baixa", afirmou. "O motivo torpe é todo motivo que desmerece ontologicamente o sujeito. Se estou fazendo isso, estou dizendo que a opinião polÃtica do sujeito autoriza que ele seja eliminado, isso, me parece, é um motivo torpe."
Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e doutor em Direito, Marcelo Mayola corroborou a tese. "Em sÃntese, e salvo melhor juÃzo, de fato estamos diante de um homicÃdio qualificado pelo motivo torpe, sendo este a própria motivação polÃtica, qual seja a intolerância própria da extrema direita bolsonarista."
O ex-ministro da Justiça e professor titular sênior da USP Miguel Reale Júnior disse que a motivação polÃtica, porém, levaria a uma qualificadora de crime "fútil". "É muito mais um motivo fútil, que, por ter divergência polÃtica, ele vai lá e mata a pessoa. Se tira o ato polÃtico do adversário, não haveria crime. Se não fosse a festa tendo por mote o Lula, o sujeito não teria ido lá matar o outro. A motivação é essa, a homenagem em torno da figura do Lula", afirma.
Para ele, a inserção da motivação polÃtica no inquérito é importante "para passar a mensagem". "A lei penal tem uma função educadora, de mostrar que o motivo pelo qual ele fez esse ato, um motivo fútil, tem de ser recriminado, para passar a mensagem de que não se pode admitir que se destrua o outro por divergência de caráter polÃtico", disse.
"O que há de problemático, é que ela (delegada) quer tirar o cunho polÃtico para estabelecer que o sujeito voltou porque foi humilhado. O que ela quer é atender interesses polÃticos de tirar o fato da caracterização de motivação polÃtica, para dizer que foi por motivo torpe, vingança, por se sentir humilhado", afirmou o jurista.
Na visão da polÃcia, a intenção de Guaranho era provocar os participantes da festa, não efetuar os disparos quando chegou ao local. Segundo Camila, "parece mais uma coisa que acabou virando pessoal entre duas pessoas que discutiram, claro, por motivações polÃticas".
Professor de Direito Penal na Escola de Direito da PUC-RS, Alexandre Wunderlich disse que a tendência é por uma classificação mais objetiva do crime polÃtico. "Por exemplo, quando se ensina que os crimes polÃticos podem ser considerados como todos os delitos que atentem contra a ordem polÃtica, social ou jurÃdica interna ou externa do Estado, tem-se um conceito indeterminado", disse.
Agora o relatório da PolÃcia Civil segue para o Ministério Público, que, como titular da ação penal, fica incumbido do oferecimento da denúncia. O órgão pode pedir mais diligências, concordar ou discordar das conclusões da polÃcia e apresentar outras motivações para o crime. Em nota, o MP afirma que vai analisar o processo e trabalhar na peça de acusação.
Para entender
O crime com motivação polÃtica tem por motivação questões, divergências ou antagonismos polÃticos. Praticar uma agressão contra outra pessoa por divergência ideológicas, por exemplo, não é por si só um crime polÃtico - porque pode não ter essa repercussão de risco em relação à democracia - mas pode ter uma "motivação" polÃtica, por ter o fundamento, a razão da sua prática, na divergência de natureza polÃtica. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo