04/10/2022 08h50
Hipóteses para erro das pesquisas vão de metodologia a questões estatística
Pesquisadores ouvidos pelo Estadão dizem que não há explicação única para as divergências entre as pesquisas de intenção de voto divulgadas até a véspera do primeiro turno das eleições de 2022 e os resultados saÃdos das urnas no domingo. As hipóteses apresentadas incluem questões estatÃsticas, as metodologias dos levantamentos e mudanças no comportamento dos eleitores. Há ainda possibilidades no campo da ciência polÃtica que explicariam mudanças de última hora na decisão de voto.
Assim como nas eleições de 2018, as divergências em 2022 foram maiores em relação à s intenções de voto do eleitor de direita, em especial dos bolsonaristas. Em boa parte dos Estados e para os diferentes cargos, somam-se exemplos nos quais os levantamentos não conseguiram prever a vitória ou a liderança de polÃticos desse campo. O destaque foi o desempenho do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), que, nos últimos levantamentos dos mais conhecidos institutos de pesquisa (Datafolha e Ipec), aparecia com 36% ou 37% dos votos válidos.
Ao fim da apuração em primeiro turno, Bolsonaro somava mais de 43% dos votos. A diferença ultrapassou as margens de erro, gerando crÃticas entre polÃticos aliados ao presidente.
A distância entre os números da pesquisa e o resultado do primeiro turno não foi tão ampla no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele registrava de 50% a 51% das intenções de voto nas pesquisas mais recentes. Acabou com pouco mais de 48%, dentro da margem de erro de dois pontos, para mais e para menos. No caso do petista, acertou.
Institutos como o Paraná Pesquisas (Lula 47% dos votos válidos a 41% de Bolsonaro) e o Futura Inteligência, contratado pelo Banco Modal (43,6% para Lula ante 40,5% de Bolsonaro), ficaram mais próximos do resultado da votação.
VARIÃVEIS
Na estatÃstica, um dos problemas considerados é a definição da amostra. Esse é o grupo de pessoas que serão entrevistadas. A precisão da pesquisa passa por uma amostra que reflita, da forma mais fiel possÃvel, a composição demográfica do eleitorado brasileiro. Entram aà variáveis como sexo, renda, religião, idade. A ideia é reproduzir um modelo semelhante à sociedade a ser submetida à pesquisa de opinião.
O problema neste caso é a desatualização do Censo. Tradicionalmente feito a cada dez anos, o recenseamento demográfico mais recente é de 2010. O de 2020 foi adiado, por causa de cortes orçamentários e da pandemia de covid-19. Está em campo o Censo 2022, mas o Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica (IBGE) já anunciou atrasos na coleta das informações.
Segundo Roberto Olinto, ex-presidente do IBGE e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), a desatualização do Censo faz diferença na definição das amostras das pesquisas. Isso porque o Censo é o melhor e mais fiel retrato da composição demográfica do PaÃs. Idealmente, o IBGE faz o Censo a cada dez anos. A cada cinco, faz uma contagem populacional mais rápida, para acompanhar o crescimento populacional. A contagem de 2015 foi cancelada, de novo por causa de restrições orçamentárias.
Com base nesse retrato, o IBGE investiga permanentemente diversas informações sobre demografia e aspectos socioeconômicos por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de DomicÃlios ContÃnua (Pnad ContÃnua). Só que, assim como as pesquisas de intenção de voto, a Pnad é amostral. Usa um grupo menor para representar toda a sociedade. Mesmo tendo uma amostra gigantesca, com entrevistas em torno de 210 mil domicÃlios, a Pnad ContÃnua também é baseada no Censo mais recente. A pesquisa domiciliar serve para atualizar as informações demográficas e socioeconômicas ao longo da década. Mas precisa da atualização do Censo para se manter precisa.
Em 12 anos, desde o Censo 2010, a sociedade brasileira "mudou muito", ressaltou Olinto. Isso inclui vários aspectos importantes para pesquisar as intenções do eleitorado. Mudou, por exemplo, a proporção de evangélicos no total da população e a estratificação da população por faixas etárias. "O Brasil ficou mais velho."
Olinto, porém, avalia que os problemas não se resumem a questões estatÃsticas. O fato de a votação de Lula ter sido próxima ao previsto nas margens de erro sinaliza que o problema estaria mais localizado na aferição das intenções de voto dos eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição. Nesse caso, as explicações estariam mais ligadas ao comportamento do eleitor, explicado pela ciência polÃtica.
TRANSPARÊNCIA
Segundo Alexandre Patriota, professor do Instituto de Matemática e EstatÃstica (IME) da USP, os institutos de pesquisa eleitoral deveriam mudar a forma de divulgar seus resultados. Uma sugestão seria essas empresas informarem, para a comunidade de pesquisadores, mais detalhes sobre sua metodologia. Ressaltando que não é especialista em pesquisa eleitoral, mas, sim, estudioso dos fundamentos da probabilidade e da estatÃstica, o professor citou que pode haver problemas tanto na forma como as informações são coletadas quanto na definição das amostras.
"A metodologia estatÃstica adequada depende de como os dados foram coletados. A transparência é uma das formas de resolver o problema. Não há nem como diagnosticar o problema se não temos informações exatas sobre o processo completo", disse Patriota, em entrevista por escrito. "Empresas precisam repensar a forma de divulgação dos resultados. Precisamos de mais transparência sobre como as estimativas são obtidas, como são corrigidas, quais são as ponderações usadas nas correções, etc. Uma forma seria disponibilizar os dados brutos ou agregados em algum nÃvel para que seja possÃvel reconstruir as estimativas e suas variabilidades. Assim os especialistas poderiam recalcular estimativas utilizando outras metodologias."
'ANTECIPAÇÃO'
Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, especializado no comportamento das famÃlias de renda média, que ficaram conhecidas como "classe C", concorda com o peso da desatualização do Censo. Mas destaca uma série de hipóteses para explicar o que parece ter sido uma "migração" das intenções de votos de Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) para Bolsonaro.
Uma hipótese é que tenha havido uma "antecipação" do segundo turno. Ou seja, potenciais eleitores de Simone e Ciro que não descartavam a possibilidade de votar em Bolsonaro teriam feito o "voto útil", já no primeiro turno, pela reeleição do presidente. O fato de as intenções de voto de Bolsonaro num eventual segundo turno se situarem próximas da votação de domingo reforçaria a hipótese.
Avalia-se que, com as urnas eletrônicas, as intenções de voto seriam medidas com maior precisão na pergunta espontânea. Os institutos divulgam prioritariamente as informações obtidas pela pergunta estimulada. Nela, o entrevistado responde sua intenção de voto perante uma lista com os nomes dos candidatos.
A questão é que, na urna eletrônica, não há lista de nomes.
RECUSA
Outra hipótese citada frequentemente por especialistas é o que Meirelles chama de "viés de recusa". Nesse caso, eleitores do presidente Bolsonaro tenderiam a se recusar a responder aos institutos de pesquisa numa frequência superior à média do eleitorado.
A antropóloga Isabela Kalil, acha possÃvel que os eleitores de Bolsonaro se recusem a responder pesquisas com frequência maior, como um ataque à precisão das pesquisas eleitorais. Para ela, outro fator são as redes sociais e a internet nos celulares, que contribui para mudanças rápidas na opinião pública.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo