19/10/2022 17h10
No Congresso eleito, apenas 8% são nomes novos na política
O Congresso teve uma renovação efetiva de apenas 8% de suas cadeiras nas eleições do último dia 2. O resultado das urnas mostrou que a maioria dos deputados e senadores eleitos já ocupou mandatos, cargos de alto escalão do governo ou é herdeira de tradicionais famÃlias da polÃtica. Sem contar essas situações, sobram apenas 39 deputados sem vÃnculo polÃtico que tomarão posse em 2023. No Senado, só um senador eleito nunca ocupou antes um cargo público.
A posse dos deputados, em fevereiro, provocará a troca de 45% dos assentos na Câmara. Mas essa substituição esconde vÃnculos que representam a continuidade dos grupos dominantes da polÃtica brasileira, como indica levantamento feito pelo Instituto Millenium, ao qual o Estadão teve acesso.
O estudo só considera como renovação quem nunca teve mandato. Para os autores, o resultado das urnas não apenas mantém a atual configuração do jogo polÃtico em BrasÃlia como dificulta a entrada de novos nomes no Legislativo.
Entre os eleitos há quem vá assumir sob o peso de dinastias, como é o caso das famÃlias Arraes e Campos, em Pernambuco. João Campos, filho de Eduardo Campos; e MarÃlia Arraes, neta de Miguel Arraes, chegaram à Câmara em 2018. João foi para a prefeitura do Recife e MarÃlia tenta agora ser governadora, mas o clã não ficará sem representantes no Congresso. Pedro Campos (PSB), 26 anos, irmão de João; e Maria Arraes (Solidariedade), 28, irmã de MarÃlia, estão entre os deputados eleitos.
Velhos conhecidos do Congresso, como EunÃcio Oliveira (MDB), deputado eleito pelo Ceará, aparecem no meio das "novidades". O currÃculo de EunÃcio inclui a presidência do Senado e dois mandatos anteriores na Câmara. Herdeira da principal famÃlia polÃtica do Maranhão, Roseana Sarney (MDB) também foi eleita deputada, após ter sido quatro vezes governadora, além de senadora. Antes, Roseana passou pela Câmara, assim como EunÃcio.
APADRINHADOS
Outros "novatos" não trazem a polÃtica no sangue, mas foram apadrinhados após ocupar altos cargos em ministérios ou secretarias, como Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde; e Mario Frias, que foi secretário de Cultura no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Isso sem falar de deputados estaduais, vereadores e daqueles que já estiveram em outros postos da administração pública.
"Há uma tendência de deixar o Congresso menos fragmentado, com nomes estabelecidos. Isso traz uma certa estabilidade para o jogo polÃtico, mas o modelo prejudica novos entrantes", afirmou o cientista polÃtico Diogo Costa, um dos autores do estudo, ao lado da jornalista Priscila Chammas e do cientista de dados Wagner Vargas. Para Costa, a baixa renovação se deve à concentração de recursos públicos para financiar quem já faz parte dos cÃrculos polÃticos. Na lista dos eleitos, os candidatos à reeleição receberam 80% mais recursos do que quem não disputou novo mandato. "O risco é esse modelo ficar engessado e se tornar um padrão", observou o cientista polÃtico.
Candidato a deputado federal com maior votação proporcional do PaÃs, Amom Mandel (Cidadania-AM), 21 anos, será o segundo mais jovem da Câmara. Ele foi eleito com 288.555 votos, 14,5% do total de votos válidos do Amazonas. Apesar da idade, Mandel também não se encaixa na renovação efetiva, pois é vereador em Manaus e vem de uma famÃlia com cargos no Judiciário do Amazonas.
Domingos Jorge Chalub Pereira, avô do deputado eleito, é desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas e já presidiu a Corte. A mãe, Elza Vitória de Mello, também é juÃza no Estado. O padrasto, Mário de Mello, ocupa um cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Amazonas. Mandel disse que sua atuação polÃtica, focada na pauta ambiental, não está vinculada à famÃlia. "Não tem nova polÃtica e velha polÃtica. Tem polÃtica boa e polÃtica ruim, e eu tento fazer a boa. Tenho muitos embates com o meu avô. Não tem essa para mim", afirmou ele.
Até mesmo na lista dos 39 deputados eleitos que, pelo critério do estudo, representam a efetiva renovação na Câmara, há nomes que já têm histórico polÃtico. É o caso de Guilherme Boulos (PSOL), deputado mais votado em São Paulo que foi candidato ao Palácio do Planalto, em 2018; e de Bandeira de Mello (PSB-RJ), ex-presidente do Flamengo com passagens pela Rede e pelo PSB.
PURO SANGUE
Fora desses cÃrculos sobram os influenciadores digitais, que estreiam na polÃtica impulsionados por seus seguidores nas redes sociais. É nesse capÃtulo que entram Delegado da Cunha (PP-SP), famoso por transmitir operações policiais na internet, e Fabio Teruel (MDB-SP), palestrante motivacional e religioso. Entre os novatos "puro sangue" estão, ainda, o ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol (Podemos-SP) e o caminhoneiro Zé Trovão (PL-SC), eleito com tornozeleira. Trovão foi punido por desferir ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF).
"Para ser eleito, o deputado precisa acumular pelo menos 70 mil votos em Estados médios e grandes. Então, é muito difÃcil um novato entrar, a não ser transferindo a popularidade de outro lugar, como celebridade ou influenciador", disse o cientista polÃtico João Feres Junior, coordenador do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), órgão vinculado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). "A maioria dos partidos não tem democracia interna e é controlada por oligarquias. Uma pessoa influente na burocracia partidária é mais beneficiada, embora ser filho de alguém não qualifique nada."
No Senado, dos 27 candidatos eleitos no último dia 2, 22 não estão na Casa atualmente. A maioria, no entanto, é formada por polÃticos experientes, como os ex-governadores Flávio Dino (Maranhão), do PSB, e Renan Filho (Alagoas), do MDB, primogênito do senador Renan Calheiros. Apenas um candidato que venceu a disputa nunca ocupou cargo público: trata-se do empresário ruralista Jaime Bagattoli (PL-RO), apoiador de Bolsonaro.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo