05/12/2022 18h10
'Queremos tirar os sem-vergonha do Bolsa Família', diz Tereza Campello
A economista Tereza Campello, de 60 anos, disse ao Estadão/Broadcast que sua principal missão é desarmar o que ela acredita ser uma bomba relógio deixada pelo governo de Jair Bolsonaro para a próxima gestão do Cadastro Único do AuxÃlio Brasil, que vai voltar a se chamar Bolsa FamÃlia. Ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Dilma Rousseff (PT), quando coordenou o Plano Brasil Sem Miséria, ela entrou no Gabinete de Transição Governamental como uma das coordenadoras do Grupo de Trabalho de Assistência Social, onde atua ao lado da senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Mesmo após fazer crÃticas ao aumento do AuxÃlio Brasil, para R$ 600, concedido pelo presidente, Jair Bolsonaro, Lula fez desse patamar uma promessa de campanha e tenta contornar o teto de gastos para garantir espaço no Orçamento.
Na transição, a maior preocupação está relacionada à continuidade dos serviços. "Serão filas enormes no inÃcio do governo do presidente Lula com muita gente pobre, mas também muita gente sem vergonha. Queremos tirar os sem-vergonha", disse durante o Festival da Reforma Agrária do MST em São Paulo. leia a seguir, trechos de sua entrevista.
Qual a expectativa sobre o Bolsa FamÃlia para 2023?
O debate sobre conteúdo, reformulação e questões programáticas vamos começar agora no GT (Grupo de Trabalho). O que já sabemos, a partir das investigações, é que há distorções muito grandes no Cadastro Único. A imprensa fala muito em pente fino, como se a população pobre tivesse um comportamento de fraudador, mas não foi isso que aconteceu.
Quais são as distorções?
Temos duas situações muito graves. O governo Bolsonaro fez uma péssima gestão do Cadastro Único e do AuxÃlio Brasil e isso induziu as pessoas a se cadastrar errado. Não é que as pessoas tentaram fraudar, mas o modelo que eles implantaram induz as famÃlias a se cadastrarem por adulto. Se tem dois adultos na mesma casa, se cadastram os dois. O certo seria uma famÃlia, como era no Bolsa FamÃlia. Um adulto morando sozinho ganha R$ 600, e uma mãe com duas crianças ganha o mesmo. Isso gera uma desigualdade enorme. Eles criaram um modelo injusto e que induz que as famÃlias se fracionem. Nunca fizeram campanha explicando, não conversaram com os municÃpios e não treinaram as equipes na rede de assistência social. Criaram um aplicativo que quando você entra já puxa o CPF e induz (o beneficiário) a fazer o cadastro individualmente.
Vai ser muito difÃcil regularizar o cadastro?
Vai dar muito trabalho. Além da população pobre ter sido induzida por má gestão e do modelo equivocado, houve o movimento pré- eleitoral para ampliar o número de pessoas beneficiadas, o que é abuso de poder econômico e polÃtico. Por que explode o cadastro? Porque botaram dentro do AuxÃlio Brasil na última hora e véspera da eleição milhões de pessoas. Tem um monte gente que entrou que não faz parte da população pobre ou desinformada. Tem gente com má fé. Veja os casos do agressor do Gilberto Gil e a filha do Pazuello. Está coalhado de casos que são fraude mesmo. Será preciso apurar. Foram 79 mil militares que receberam o benefÃcio. Temos que ir atrás do dinheiro.
A revisão do benefÃcio não pode gerar uma revolta?
Estamos tentando administrar essa situação. Quando chegou em dezembro (de 2021), esses benefÃcios unipessoais - que são as pessoas que alegam estar morando sozinhas - deu um pulo de 2 para 3 milhões. Depois, passou para 3,5 milhões, para 4 milhões, 4,5 e chegou a 5 milhões em um ano. É um escândalo. O governo devia ter visto e tomado atitude para impedir, mas não tomou. Agora, após a eleição ele entrou com processo de averiguação, chamando as pessoas e dizendo que vai bloquear entre janeiro e fevereiro.
O governo Bolsonaro deixou uma bomba relógio?
Queremos criar um ambiente de construção de uma transição, mas ao mesmo tempo é irregular. A legislação é clara: as pessoas não podiam estar recebendo. Estamos conversando com os municÃpios. Esse povo vai bater na porta da prefeitura quando o recurso for bloqueado. Serão filas enormes no inÃcio do governo Lula com muita gente pobre, mas também muita gente sem vergonha. Queremos tirar os sem-vergonha.
Então essa é uma crise precificada logo no começo do governo Lula?
É uma crise conhecida porque estamos atuando. Somos transição. Não somos governo. Na quinta (na semana passada) fizemos uma reunião que o governo atual devia ter feito. Chamamos as prefeituras e as organizações dos municÃpios que fazem a gestão do Bolsa FamÃlia para tentar construir uma trajetória comum com o setor público que, na ponta, vai administrar essa filas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo