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Regional
04/11/2014 09h49

Entrevista com Morena Lua Gurgulino

Personalidades de São Lourenço conversam com o Correio do Papagaio

Após a estréia estonteante de Os Saltimbancos fomos tomar um café com a diretora-geral da peça, atriz e professora Morena Lua Gurgulino que falou sobre a concretização do espetáculo, dificuldades sentidas e muito mais.

Durante a conversa, ainda em clima de glamour e sucesso, muitas pessoas que passavam na rua pararam para parabenizar a diretora-geral e elogiar o trabalho apresentado.

 

 

Correio do Papagaio: Qual foi a sensação de ver o sucesso de Saltimbancos na apresentação do Festival de Artes Cênicas?

Morena Lua Gurgulino: A sensação é a melhor possível. Toda a equipe está estonteante de alegria, está transbordando sucesso. Foi um processo muito grande, foram muitos meses de ensaio, são muitas crianças e muitas oficinas. E a gente culminou num processo que eu chamei de “milagre”. Ontem foi uma noite especial, não só para o Projeto Crer-Ser, mas eu acho que para a cidade de São Lourenço inteira. Estamos todos muito, muito gratos e muito felizes com o resultado.


Correio do Papagaio: Como surgiu a idéia de fazer uma adaptação dessa peça?

Morena Lua Gurgulino: É uma peça que faz parte do inconsciente da minha geração. Além de ser um musical, ela é uma peça política. Além disso, ela tem uma mensagem que é a mensagem do Crer-Ser que é essa questão de “todos juntos, somos fortes”. O Crer-Ser tem essa base de trabalho que é a família. Todo mundo é chamado de “família Crer-Ser”. Eu escolhi essa peça exatamente por essa questão da união e porque, claro, é uma peça que daria para comportar todas as oficinas, pois é importantíssimo que todo mundo participe dessa montagem.


Correio do Papagaio: Foi ousado incluir todas as oficinas na peça, a idéia foi sua? E como os professores e alunos receberam essa idéia?

Morena Lua Gurgulino: O Crer-Ser já tem uma trajetória de fazer peças onde todo mundo esteja em cima do palco. O grande diferencial dessa vez é que nessa peça todos os alunos são atores em cena. Em montagens anteriores, havia o momento da capoeira, havia o momento do circo, todas as oficinas apareciam. Só que nessa montagem, nós fizemos uma semana de imersão, onde todos os alunos do projeto fizeram aulas de todas as oficinas. Isso fez com que o aluno de dança que vai num dia e que não conhece o pessoal do teatro, se encontrasse com o colega, unindo ainda mais esses laços de família. E principalmente entendendo que a capoeira na peça, não é só a capoeira, é uma cena da peça, assim como todas as outras oficinas. Isso foi uma evolução muito grande para os alunos e foi muito difícil, porque eles não sabiam que o capoeirista poderia ser um ator, mesmo jogando capoeira. Isso foi incrível e o resultado ficou lindo.

A reação dos meus colegas foi a de abraçar a causa. Eu tenho colegas maravilhosos. Foi difícil explicar para eles o que seria o resultado final. São Lourenço não tinha tido ainda a prática de uma coisa tão grande. Aos poucos eles foram compreendendo, mas todos sempre muito abertos, sempre muito dispostos a tentar e fomos tentando e se entrosando. E se isso tudo se deu maravilhosamente bem, garanto e repito, é porque toda equipe é maravilhosa.


Correio do Papagaio: Quais mudanças e adaptações vocês fizeram na peça?

Morena Lua Gurgulino: Isso é importante falar. Em São Lourenço nós não temos um espaço de teatro. Então eu fiz uma adaptação que não utilizasse nada, que pudesse ser feita da menor maneira possível. Questões práticas de teatro mesmo: Não sei aonde vou apresentar? Não trabalhei cenário. Não saberia quanto de iluminação a gente poderia contar? A gente trabalhou sem iluminação.

Então o espetáculo foi afinado para funcionar em qualquer lugar. Tanto na Eubiose, como na rua... é um espetáculo que pode e deve ir para a rua. E fomos tendo que adaptar a peça, eu fui tendo que mexer no texto. As últimas duas cenas, por exemplo, eu cortei. Eu tive que cortar, porque não cabia na estrutura rasa que a gente fez.

E pense bem, fazer algo numa simplicidade dessa e chegar em tamanha complexidade..... poxa vida!


Correio do Papagaio:: É uma peça com mensagens de contra-cultura, de justiça, adaptada numa época de pouca liberdade, durante o regime militar. Você considera o seu conteúdo ainda atual?

Morena Lua Gurgulino: Ainda atual, mais que atual e importantíssimo. Essa questão social e política é uma questão que forma a minha personalidade. Então eu jamais passaria por ela displicentemente. Para cada palavra política que o texto fala nós temos uma sonoplastia específica. Cada mensagem de classe, de política. Isso foi conversado com os meus alunos, isso foi colocado para eles. E eles entenderam o quanto isso era relevante dentro dessa montagem. O trabalho de mesa, o trabalho de pesquisa feito atrás da coxia, foi importante e transformador.

Hoje eu acho que eu consegui fazer com que os meus atores – e quando eu digo “meus atores”, eu falo de todo o meu elenco de 66 pessoas – entendessem que somos seres atuantes e que a arte e a política estão intimamente ligadas.

A função da arte é política. E isso é uma coisa que eu aprendi e levo para a vida.


Correio do Papagaio: Acredita que alguma dessas mensagens servem para a sociedade de São Lourenço?

Morena Lua Gurgulino: Acredito mais do que acredito! (risos) São Lourenço tem um triste ‘ranso’ de não conseguir fazer as coisas acontecer porque as pessoas não se unem. Esta cidade é um celeiro de artistas. Nós temos aqui vários talentos de diversas áreas.

E essa peça tem a mensagem: “todos juntos, somos fortes”. Se todos juntos somos forte, a peça faz um apelo à todos os artistas da cidade a se unir e transformar a concepção de arte de São Lourenço.

Nós não temos um espaço para as artes. Nós não temos uma cultura de arte. Nós não temos a valorização das artes. O que é arte para o são lourenciano? Por isso que essa peça foi tão chocante. São Lourenço levou um ‘tapa’ de esplendor. Porque não sabia que isso era possível de ser feito aqui.

Estamos ficando ‘americanizados’ ainda? Até quando a gente vai importar talento? E quando vem alguma coisa de fora, a gente não fica sabendo, não tem divulgação, a gente não sabe aonde é e não tem para onde ir... São Lourenço precisa de um lugar para as artes. Precisa de uma cultura de união para a arte.

Eu acho que essa peça foi só o embrião disso. É impossível dizer que depois dessa estréia a gente vai ficar igual. Porque eu espero que tenha acontecido e, eu acredito que aconteceu, é que todo mundo saiu tocado.

E a partir daí é por em pratica o lema da peça, "todos juntos somos fortes" e reunir efetivamente a classe artística dessa cidade para continuar a revolução.


Correio do Papagaio: O que acha que o espetáculo de ontem despertou nas crianças do projeto?

Morena Lua Gurgulino: Isso foi um processo que foi realmente milagroso. As crianças começaram meio ainda daquele jeito: “a que horas que eu entro para fazer a minha parte?”.

Era um ensaio com 66 crianças, com os outros colegas correndo e jogando bola do lado. Era muito difícil fazer com que essa criança concentrasse.

Mas a gente batalhou a concepção de união do espetáculo. Então, para mim, a estréia não foi ontem, foi um ensaio geral que aconteceu há duas semanas: nós tínhamos 66 crianças com os olhos brilhando e vibrando e entendendo que elas eram parte do todo mesmo.

O resultado disso foi que antes da estréia havia um ‘burburinho’ na cidade que não tinha uma das crianças que não falasse para os outros o quão maravilhosa estava a peça.

Na hora da apresentação, eu tive a oportunidade de ficar vendo eles sentados assistindo à peça além de vê-los no palco – no palco você via eles em ‘delírio de divertimento’ –, mas eles sentados, vendo os colegas, com os olhos brilhando, entendendo a própria importância dentro daquele todo.... é indescritível mesmo!

Para mim, é a resposta mais preciosa que um educador pode querer receber: nós transformamos essas crianças. E essas crianças vão transformar outras, em jovens protagonistas das suas vidas. Isso é bonito demais!


Correio do Papagaio: Que dificuldades encontrou na realização da peça?

Morena Lua Gurgulino: Como você sabe, nós somos um projeto social, nós somos um projeto ligado à Assistência Social. Fazer uma peça desse tamanho, por mais barata que a gente tente fazer, sai caro. A Secretaria de Desenvolvimento Social nos ajudou com o que pôde, mas a gente precisou correr atrás de outras coisas. A gente tem o apoio da Unimed, e a gente busca novos apoios... aliás, eu pedi muito apoio à cidade... e obrigada comércio de São Lourenço!

Mas é isso, são 80 figurinos, são 80 maquiagens, um cenário de 3x3.... é custoso. Essa foi uma dificuldade.

A dificuldade dos horários dos ensaios foi outra. Porque nós temos crianças do turno da manhã, criança do turno da tarde. E isso é uma coisa que deixou de acontecer, quando eles descobriram o quão importante era a presença deles. Mas o começo foi difícil, organizar os horários.

Os nossos professores são professores que precisam trabalhar em outros lugares também, não têm exclusividade no projeto. E isso dificultou um trabalho mais preciso, nessa organização de horários.

Fora isso, as dificuldades a gente nem lembra tanto depois de uma estréia dessas. (risos)


Correio do Papagaio: Quer aproveitar para agradecer alguém em especial?

Morena Lua Gurgulino: Quero aproveitar e agradecer primeiro à nossa equipe. Depois eu quero agradecer à Secretaria de Desenvolvimento Social, agradecer à Secretaria de Cultura – eu sei como é difícil para a Cultura batalhar esse festival há 10 anos, cada vez com uma estrutura melhor, cada vez fazendo um melhor trabalho; é um prazer participar dele. Quero agradecer aos pequenos apoios que nos foram dados – eu não vou citar um, porque se eu citar um eu posso esquecer outro -, mas o comércio local nos ajudou em diversas formas.

Quero agradecer aos artistas convidados – o Miguel, que fez um rap especial para a festa e que executou maravilhosamente bem. Agradecer aos amigos que acabaram entrando nessa junto – tinha amigos maquiando aluno, amigo correndo atrás de figurino – e isso foi muito bacano.

E quero agradecer à fé de ter ido com um projeto tão grande até ao fim. Uma fé de todos nós.


Correio do Papagaio: Vocês pretendem levar a peça em cartaz. Como será isso?

Morena Lua Gurgulino: Nós vamos levar essa peça em cartaz, com certeza! Como será isso....? Ah... está aí a grande questão.... (risos)

Nós temos a possibilidade de levá-la para a UniRio, apresentar na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Temos também a possibilidade de levá-la para Pouso Alegre. Mas eu acho de extrema importância que a gente fique em cartaz em São Lourenço.

São Lourenço tem espetáculos teatrais às vezes mas que vêm e se apresentam um dia e vão embora. Nós queremos ficar em cartaz, sexta, sábado e domingo, uma apresentação por dia,  ou sábado e domingo que seja.... Para que o são lourenciano crie o costume de falar: “Hoje é sábado! Vamos ao teatro?” ... Porquê não?


Correio do Papagaio: De que forma você acha que o teatro acrescenta na formação do jovem?

Morena Lua Gurgulino: Eu escolhi fazer isso da vida, porque o teatro acrescentou a minha formação. O teatro protagoniza o jovem, o teatro dá voz ao jovem, o teatro aumenta a auto-estima do jovem.

O poder transformador da arte em geral muda uma sociedade. Eu trabalho muito com autores de teatro político, como Boal, que tem o Teatro do Oprimido.

Eu comecei a dar aulas esse ano no Projeto Crer-Ser, a minha linguagem é bem diferente das linguagens que eles já tinham visto. O meu trabalho parte exatamente do subjetivo desse adolescente: quem ele é, o que ele é, quem ele quer ser? E é no teatro que a gente brinca com essas alternativas, e onde a gente quer chegar com isso. Eu acho que o teatro transforma uma pessoa, mais do que acrescenta, ele transforma uma pessoa e transforma o mundo.

As artes em geral têm esse poder transformador. Dá espaço para a criação e exposição de um pensamento, de um ideal, de uma paixão - no sentido maior, entre elas o teatro disponibiliza artifícios para a conscientização e transformação de si e do mundo. Na criança ou adolescente se presta na formação do individuo, auxiliando na maneira com que ele se coloca no mundo, permitindo que ele aprenda a expor seus desejos mais internos de forma fluída e natural.


Correio do Papagaio: O projeto Crer-Ser é extra-curricular. Você acha que as artes, o teatro em particular, deveriam ser integrados na educação regular?

Morena Lua Gurgulino: Supostamente, as leis do currículo básico nacional determinam que teatro, música, dança deveriam ser vistos durante todo o currículo escolar. Mas é claro que isso na pratica não acontece.

Algumas escolas aqui de São Lourenço já estão atentas a isso e têm um trabalho de arte constante, como o trabalho realizado no Colégio Laser, que tem se mostrado um trabalho tão positivo.

A gente espera, principalmente, nós formados em arte-educação, que isso seja efetivamente feito. Porque leis para isso nós temos. Agora a realidade é que é sempre mais ou menos do que nós queremos.


Correio do Papagaio: Quais os seus sonhos para o futuro?

Morena Lua Gurgulino: Agora eu vou falar como pessoa, não mais como professora do Crer-Ser, não mais como diretora dessa peça. Meu sonho em São Lourenço é que a gente consiga transformar essa cidade em um efetivo ponto cultural.

Nós estamos muito próximos às capitais. Nós estamos entre a rota das duas capitais culturais mais importantes do Brasil. Nós deveríamos ser também um pólo de turismo cultural, além de um pólo de turismo das águas.

Nós temos artistas para isso, nós temos facilidade em trazer companheiros – nossa rede de contatos é muito grande.

Então para resumir o meu sonho em uma coisa material: o meu sonho é que são Lourenço tenha um efetivo ‘Centro Cultural Municipal’, onde isso possa acontecer com constância e acessibilidade para todos.

  

 
 
 
 
 
 
 

Fotos da estréia de Os Saltimbancos, cedidas pela diretora-geral

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