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26/05/2016 16h02

Fundação da Rádio Comunitária Liberdade FM

Artigo do escritor Leandro Campos Alves

Foto: Reprodução/ April Johnson CC

A rádio que recebeu o nome em homenagem a nossa cidade, “Liberdade”, tem sua origem e fundação uma história que poucas pessoas sabem de verdade, ou, quase ninguém, porque os fundadores da rádio são poucos que estão entre nós, infelizmente.

Tudo começou no final da década de oitenta e início dos anos noventa, quando Liberdade se ouvia muitas Rádios: na sintonia AM, como a Rádio Globo, e aos privilegiados de morarem na parte alta tínhamos a sintonia FM, na qual as frequências mais ouvidas eram, a 98 FM que tinha em sua programação noturna os flashback carregadas de músicas lentas e antigas, a 101 de Barbacena por sua vez, nos acordava com o programa do Zé rural. E entre as duas ainda tinham outras de menor audição em nossa cidade.

Na época se despontavam: Djavan, Legião Urbana, Titãs, RPM, e a ícone da época Madona.

No centro da cidade, não tínhamos este privilégio de ouvir a sintonia FM em bom tom, pois nos lugares que conseguíamos sintonizar a Rádio, tinham muitos ruídos, com isso era comum conhecermos as músicas que tocavam em cada bar.

A época também era a de fita cassete, e estas ficavam fervendo ao tocarem o dia todo. No bar do Júlio’s aos finais de semana, tínhamos ACDC, Zé Geraldo e muito rock. No bar do Batista quando o Ricardinho estava trabalhando, era o Rock Pauleira, mas, por sorte nossa no bar do Batista ainda conseguíamos sintonizar algumas rádios, pois o bar ficava perto do grupo escolar que era na parte mais alta.

Tínhamos ainda o bar do Gilson do saudoso João Carreiro, com uma boa música sertaneja de raiz, como outros bares e comércios dos bairros que frequentávamos, porém todos com o mesmo problema de rádio, a falta de sinal.

Nesta época já se despontava um trailer que era o point da cidade, onde todas as noite encontravam-se os amigos para uma boa prosa e rodada de conversas e piadas. Este trailer era de propriedade do Mário e do Zaru.

A história da rádio tem a origem exatamente aqui, no trailer do Mario’s Lanche.

Mário sempre colocava suas músicas prediletas para tocarem e o Zaru as dele, porém não há fita cassete que aguentasse ser tocada todas as noite, como também não existem ouvidos que aguente este suplício de ouvir sempre as mesma coisas.

Então numa conversa que estávamos, eu “Leandro Campos Alves”, o Zaru com o Mário, o Giovane Romano, o Rogério Romano e o Valdeci da prefeitura, surgiu a ideia de criarmos a Rádio na cidade, seria ela pequena e comunitária, pois sabíamos que existiam leis que regulamentavam a estrutura de uma rádio, entretanto tínhamos a certeza que nenhuma autoridade iria se impor se criássemos a rádio com alcance apenas para o município.

Isso aconteceu em uma noite entre conversas de amigos.

Para nossa surpresa, dois dias depois eis que o Mário nos chamou no trailer para uma conversa, e com o sorriso no rosto, como só ele sabia carregar quando estava aprontando alguma coisa, nos avisou que havia nos chamado ali para uma inauguração. Pois como idealizadores da ideia, ele queria inaugurar a Rádio FM Liberdade.

Ficamos surpresos, pois no cantinho do trailer estava montado um equipamento estranho, lembro bem que era uma caixa que mais parecia um emaranhado de fios, com um ventilador ligado em sua direção e um aparelho de som de carro mesmo, ligado naquela bagunça geral.

Foi então que o Mário nos apresentou que aquela caixa aberta e cheia de fios, era um amplificador de 100 watts de potência que um amigo dele construiu para realizar nosso sonho, seguindo a apresentação ele nos mostrou como funcionava o amplificador ligado e seus componentes.

Nascia ali, naquela noite o projeto da Rádio Comunitária Liberdade FM, logo que ele ligou o equipamento toda cidade conseguia sintonizar o sinal nítido da Rádio, só sofriam algumas interferências quando seus primeiros locutores, o próprio Mário e o Rogério Romano Giffoni abriam o áudio para falar no microfone, porque naquele momento se ouvia o barulho todo da rua, até mesmo o barulho do ventilador que era usado para resfriamento do equipamento.

Porém nada disso seria obstáculo, afinal, tínhamos em Liberdade a primeira Rádio Comunitária, e com ela poderiam prestar informações sociais à nossa cidade.

Como era um protótipo, no início seu funcionamento era só ao anoitecer quando se abria o trailer, a rádio funcionava quase todas as noites, com raras exceções daquelas noites sem músicas porque o equipamento cismava de não funcionar.

Para a cidade foi o nascimento de uma nova era, o empreendimento à frente de seus dias, o nascimento apartidário de um projeto com origem nas conversas de amigos.

E com este conceito, foram surgindo as primeiras doações para dividir o peso da despesa e para manter em funcionamento este projeto.

Com uma visão empreendedora, novamente o Mário chamou para uma reunião o grupo responsável pela ideia da fundação da Rádio. Naquela noite, já estávamos mais instruídos sobre as leis de transmissão e o que precisaríamos para instituir a Rádio e adquirir da Embratel a Licença para Funcionamento.

Sabíamos que não era justo o Mário arcar com todas as despesas para manter a Rádio em funcionamento, além do mais, se quiséssemos que ela durasse por um longo tempo, teríamos que montá-la em local apropriado, contratar funcionários e radialistas, comprar equipamentos melhores, além de muitos LP’S e um tal de aparelho de CD, lembro-me que na época além de muito caro estava virando sonho de consumo de muitas pessoas.

Em nossas primeiras reuniões levantamos a necessidade de arrumar colaboradores para aquele sonho, então instituímos uma doação voluntária na qual cada comerciante teria o direito de pôr na Rádio a propaganda de seu comércio durante aquele mês, em troca da doação.

Esta doação foi recebida muito bem pelos comerciantes, todos em nossa cidade faziam questão de ajudar.

O passo seguinte era instituir legalmente a empresa, como se tratava de uma filantropia, era exigência da Embratel a constituição de no mínimo dez membros, cada um com a sua atividade dentro do projeto, com as pautas de reuniões e muitos outros parâmetros legais para a época.

Na primeira pauta, como membros titulares que constituíam a fundação da Rádio estávamos, eu “Leandro Campos Alves”, o Zaru com o Mário, o Giovane Romano, o Rogério Romano Giffoni e o Valdeci da prefeitura.

Éramos seis naquela reunião, porém na reunião seguinte já éramos os dez membros que faziam parte da constituição da Rádio, porém para não cometer injustiça não citarei nomes dos membros que vieram após, pois muitos se desligaram da Rádio e outros entravam para suprir a vaga, mas os titulares eram sempre os mesmos.

Estava tudo correndo muito bem, quando começamos a ter reclamações que alguns locais na cidade o sinal não chegava, eis que com criatividade surgiu a solução, vamos pôr a Rádio no alto da cidade.

O Mário alugou a casa perto da COPASA, com esta atitude a cidade inteira teria ótimo sinal, conseguiríamos sintonizar a Rádio até mesmo na zona rural.

Porém nem tudo são flores, pois não sabíamos que ao irmos com ela para o alto novos problemas surgiriam, e foi um destes problemas que quase nos levaram a fechá-la definitivamente logo após seus nascimento.

Poucos sabem desta história, mas numa noite comum de programação o tempo fechou e se bem me lembro era o Rogério que transmitia o programa daquela noite.

Dentro da casa transmitindo a programação que iria até a meia noite Rogério não percebeu a virada do tempo, e com a aproximação da chuva silenciosa o pior estava por vir.

Com um forte estrondo que foi transmitido ao vivo pela Rádio antes de sair do ar, notamos que perto dela havia caído um forte relâmpago. Naquela noite eu estava na escola e não percebi nada, mas no dia seguinte o Mário nos chamou para uma reunião logo ao amanhecer e avisou o ocorrido, além de comunicar que teríamos que fechar a Rádio que estávamos lutando para construir. Pois o relâmpago não caiu perto da Rádio, e sim, na antena de transmissão queimando toda a aparelhagem e quase matando o nosso amigo Rogério, que ficou atordoado por um bom tempo.

Muitas pessoas não queriam que fechássemos a Rádio, até mesmo achavam que era uma questão pessoal nossa, ou briga entre o grupo fundador, porém o que havia acontecido de fato, foi a perda total do equipamento, e sabíamos que para reabri-la teríamos que levantar um valor financeiro muito alto para adquirirmos novos equipamentos.

Naquele período a Rádio ficou quase dois meses fechada, e Liberdade perdia a alegria das músicas e os recados aos compadres que eram transmitidos por nossos locutores, era uma festa quanto ouvíamos nosso nome no meio da transmissão, e sabíamos que toda a cidade também estava ouvindo.

Neste período chegamos até mesmo esquecer que corria na Embratel, o requerimento para a liberação do sinal da nossa Rádio Comunitária; “Bendito requerimento”, pois foi ele que nos deu forças e ânimo para o renascimento do projeto.

Um mês depois da Rádio se calar para o município, Mário novamente marcou outra reunião que até então não sabíamos o motivo dela, mas naquela tarde descobrimos que mesmo não tendo mais equipamentos, nós tínhamos a Rádio viva e agora instituída legalmente, acabávamos de receber a permissão provisória para funcionamento da Rádio Comunitária Liberdade FM.

O que agora passo a contar são pouquíssimas pessoas que sabem.

Na empolgação de reabrir a Rádio não tomamos cuidado com alguns detalhes, o principal detalhe que gerou medo aos fundadores foi com a frequência do equipamento, pois na época para se ter a permissão de funcionamento da Rádio, o amplificador não poderia passar de 250 Watts, e para nosso surpresa novamente o Mário adquiriu um outro amplificador de 500 Watts, a Rádio agora não era apenas ouvida em Liberdade, mas ultrapassava limites intermunicipais chegando até mesmo em Caxambu.

Para nós era tudo normal, quanto melhor e maior o alcance do som melhor era a Rádio. Assim pensávamos, até tudo mudar novamente.

Descobrimos dias depois que havia uma ordem na Policia 
Federal de “Busca e Apreensão” da Rádio, assustados, eu digo que virei o melhor filho do mundo, pois passei a acordar às cinco da manhã para ajudar meu pai no sítio, deixando-o todo alegre.
O Mário passava quase a semana inteira viajando para o Zé Pereira.

O Giovane mudou de nome, passou a chamar Jonas.

O coitado do Valdeci ficou branco e andava muito assustado, era raro vê-lo na rua, ele não saia nem mesmo para jogar sua sinuca de fim de tarde no bar do Pelinha com os amigos.

O Rogério trabalhava na Farmácia e não tinha jeito de tentar sumir por uns dias, todas as noites reuníamos para ver se tinha alguma outra notícia, e ao encontrarmos com o Rogério sabíamos que a Polícia não tinha nos buscado, pois com certeza o primeiro a ser preso seria ele e o Valdeci.

Foram dias de agonia e da Rádio fechada e calada para o município.

A conversa não era boato, pois numa manhã de terça a cidade teve a visita de uns carrões negros com o emblema da Policia Federal na Porta, o Mário coitado não teve nem mesmo tempo de esconder, pois eles sabiam onde ele trabalhava e que estava viajando todos os dias.

Eu já tinha visto ele assustado, mas não daquela forma. 
Pronto estávamos presos...

Presos por estar à frente de nosso tempo, eu achava uma injustiça tudo que estava acontecendo.

Mas para nosso alívio, os Policiais Federais falaram educadamente o porquê eles estavam ali, e que aquele mandato de “busca e apreensão” que era para ser cumprido, se tratava do fechamento oficial da Rádio e a apreensão do amplificador, até a sua regularização. Descobrimos por eles que houve uma denúncia do alcance da frequência da Rádio que partiu de Caxambu.

Não tínhamos como negar, novamente ficamos sem amplificador.

Foi nesta época que a Rádio passou a ter como Membro Titular o nosso amigo Teco, que regularizou toda documentação, foi neste mesmo período eu pedi meu desligamento, pois não fazia sentido pertencer a fundação da Rádio e não comparecer às reuniões, pelo fato que naquela época eu já estava de malas prontas para outra cidade.

Uma conversa entre amigos...
Um sonho que foi plantado...
Um vida de empreendedorismo e coragem...
Nosso povo, nossa cidade, nossos cidadãos...
Esta crônica de fatos reais, eu deixo de lembrança a história por aqueles que saudosamente partiram precocemente. Meus grandes amigos, “Mário Lanches”, “Valdeci da Prefeitura”, meu companheiro e Irmão de tantas jornadas “Giovani Romano”, e aos companheiros, meu primo e o primeiro radialista de Liberdade “Rogério Giffoni Romano”, e meu estimado amigo José Alcides, famoso “ Zaru”.

Nossa gente, nossa origem.

Por Leandro Campos Alves - Crônica do livro Revelações (lançamento previsto para 2018)

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