Foto: Régis Melo G1
Gustavo e Paulo trabalham no desenvolvimento do Mairene
Tecnologia e ensino universitário aplicados diretamente para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Foi assim que nasceu o projeto ‘Mairene’, desenvolvido por alunos e professores de engenharia, em Santa Rita do Sapucaí (MG), para criar uma alternativa barata e eficiente para pacientes com deficiência motora grave e limitação de fala poderem se comunicar.
Esta matéria faz parte do especial “Inovatec”, apresentado pelo G1 Sul de Minas, que mostra iniciativas que estão sendo desenvolvidas na região e que prometem melhorar a vida das pessoas por meio da tecnologia.
O projeto foi criado depois que a filha de uma paciente com esclerose lateral amiotrófica (ELA) buscou o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel) para tentar melhorar a qualidade de vida da mãe.
“Como a mamãe foi o segundo caso no Brasil, de uma forma decendente, que ela ficou travada e não conseguia mais conversar conosco e o único músculo do corpo dela que mexia eram os olhos, a gente buscou o Inatel para tentar um recurso audiovisual para que ela conversasse conosco. E foi aí que nasceu o Mairene”, conta Vanessa Bueno da Silva, que foi acompanhada pela irmã Giovana Bueno da Silva durante o processo.
A professora Eliza Rennó Carneiro Dester, fisioterapeuta de formação, foi quem abraçou o projeto juntamente com alunos do 10º período de engenharia biomédica. Os estudantes tiveram o primeiro contato com o caso e depois todos os envolvidos foram visitar e conhecer a realidade da paciente em Monte Belo (MG), sua cidade natal, e estudar o desenvolvimento da doença.
Após essa visita, foi iniciado o processo de estudo e montagem de um protótipo que atendesse às necessidades da paciente. Mairene, no entanto, acabou não resistindo ao avanço da doença degenerativa e faleceu meses depois.
A doença
A esclerose lateral amiotrófica avança com o tempo e faz com que o paciente perca cada vez mais os movimentos. Ela pode vir com perda tanto de membro inferior para membro superior ou inversa, como foi o caso, de cima para baixo. A última perda é o movimento dos olhos.
No caso de Mairene, a doença atacou em sua forma mais agressiva e rara, a esclerose lateral progressiva bulbar de forma descendente. Foi necessário um ano para o diagnóstico e, apenas um ano e meio depois, veio a notícia do falecimento.
“Mas eu não parei de lutar pela esclerose, por ser uma doença sem cura. Eu montei um grupo e estou com 150 famílias que sofrem a mesma coisa que a gente sofreu na nossa casa. A gente auxilia essas famílias e a gente conseguiu captar alguns pacientes próximos a Santa Rita do Sapucaí para que a gente direcionasse esses pacientes para ter o que a minha mãe não teve”, conta a filha.
Vanessa, que é enfermeira e especialista em centro cirúrgico, presta assistência para as famílias no grupo. Além dela, médicos, fisioterapeutas e acupunturistas também auxiliam os pacientes, seja de forma presencial, seja à distância. A filha de Mairene, no entanto, continua como porta voz do grupo.
“A luta fica menos dolorida, porque quando você tem alguém na área, que conhece um pouquinho sobre a patologia, fica um pouco menos difícil. E o Brasil encontra uma dificuldade de conseguir profissionais que saibam dessa doença. Eu tinha 20 anos de hospital e eu nunca tinha visto”, afirma Vanessa.
Continuação e homenagem
A morte da paciente, entretanto, não impediu que o projeto fosse levado adiante. Mais do que isso, a iniciativa foi nomeada Mairene, como forma de homenagear tanto a mãe quanto a filha, que continuou apoiando o estudo.
“A satisfação, para mim, de ver hoje o nome da minha mãe, pela generosidade que ela era e pela fé que ela tinha na cura da doença, é uma satisfação imensa. Para a minha família toda ver o que a minha mãe era, e que hoje continua em prol de outras pessoas, pela generosidade, amor, carinho e tudo”, conta Vanessa.
Segundo a professora Elisa, tanto os alunos quanto o corpo docente já sabiam da possibilidade de Mairene falecer, mas mesmo assim o projeto foi levado adiante pela esperança de ajudar outros pacientes.
“Desde o início, a gente já assumiu que levaria o projeto até o final, independente de qualquer coisa. A gente tentou levar o mais rápido possível, para poder proporcionar essa ajuda à Mairene”, conta a professora.
“Mas a ideia sempre foi ajudar outros pacientes na mesma condição. Não necessariamente com a mesma patologia, mas com a mesma condição de ter a conciência preservada e não ter movimento suficiente para se comunicar”, explica Elisa.
O produto então foi apresentado pela primeira vez na Feira Tecnológica do Inatel (Fetin), mas o protótipo não foi bem sucedido. No entanto, mesmo assim, o projeto foi vinculado ao Centro de Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia Assistiva (CDTTA), especializado na área, onde se tornou uma iniciação científica.
O dispositivo
O projeto foi assumido pelos estudantes Gustavo Henrique de Andrade Oliveira e Paulo Imbroisi Isaia Júnior e passou a se chamar “Mairene - comunicação alternativa por eletromiografia de superfície”. O objetivo direto é fazer com que o paciente possa se comunicar diretamente com a família ou o cuidador.
“Eu tive várias situações aqui de, por exemplo, a minha mãe [querer] falar que estava com uma coceira no nariz e eu demorar quatro horas para entender que era uma coceira no nariz”, lembra Vanessa.
A construção do protótipo foi feita com uma placa que capta de sinais elétricos dos músculos, três eletrodos de superfície com cabos, microcontrolador, baterias e uma caixa plástica impressa em 3D para acomodação dos componentes. Ele funciona da seguinte maneira:
1.Os eletrodos são conectados ao paciente;
2.Uma tela exibe uma grade de palavras para a formação de frases;
3.O paciente move um músculo facial para emitir um comando;
4.Os sinais são enviados ao computador, que vai formando a frase;
5.Quando o paciente conclui, o computador faz a leitura em voz alta.
“Até existem alguns projetos similares no mercado, existem mouses que pegam a posição ocular, mas o diferencial é o custo benefício do nosso projeto. É um projeto que funciona como mouse tão bem quanto outros projetos no mercado e o custo dele ficou bem reduzido”, explica Gustavo.
Atualmente o dispositivo custa aproximadamente R$ 350, mas os estudantes querem baixar ainda mais os gastos com a produção.
“Um mouse desse no mercado está em torno de R$ 2 a 4 mil. Então ele já está em um preço bacana. Mas o que nós estamos desenvolvendo agora vai chegar a uma média de R$ 50 de custo, para desenvolver o produto”, afirma Paulo.
“O dispositivo chama Mairene porque foi inspirado na Mairene, uma pessoa linda, mas a gente consegue adaptar para tetraplégicos, consegue adaptar para pessoas com qualquer distúrbio motor grave associado à perda de fala”, ressalta Elisa.
Disponibilização para pacientes
O projeto, que foi reapresentado na Fetin deste ano, agora avança para uma fase fundamental, que é a de ser testado efetivamente nos pacientes. A expectativa é que a liberação do Conselho de Ética seja obtida no início do ano, para então serem feitos os primeiros experimentos com quem tem deficiência motora grave - por enquanto, os testes são feitos com os próprios pesquisadores.
“A gente já tem a ideia, já tem ele funcionando. Temos o layout de uma placa de circuito nova, que a gente já testou em outro projeto. O que falta para a gente é a aprovação do conselho de ética”, diz Paulo.
“A gente acredita que é muito importante ter o feedback do paciente e do comitê de ética para, a partir daí, seguir em frente”, ressalta Gustavo.
Os estudantes acreditam que o projeto já está cerca de 60% concluído e com os devidos ajustes logo pode ser comercializado - como espera Vanessa.
“Eu tenho 150 familias precisando desse aparelho que o projeto Mairene pode representar. Então o que a gente ganhar de tempo [até essa conclusão] é lucro para nós”.
“Mas independente do grau de instrução de cada um, não deixe faltar amor. Porque a doença acomete mais rápido quando o emocional está mais abalado. Então é preciso estar junto, apoiar”, conclui Vanessa.
Com informações do G1 Sul de Minas
'Mairene' utiliza eletrodos e plataforma para promover comunicação