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26/12/2012 09h03

O Natal não é mais o mesmo, diz freira centenária de Varginha, MG

Irmã Naomi relembra tempos em que data era tempo de reflexão e orações.

Visitas a presépios, orações, missa de Natal e meditação para o nascimento do menino Jesus. É assim que a Irmã Maria Noemi de Castro se lembra das comemorações de fim de ano de sua juventude. Sentada em uma poltrona no Colégio Santos Anjos em Varginha (MG), onde mora, ela relembra tempos em que a religiosidade marcava as celebrações da data e lamenta que, cerca de meio século depois, o Natal talvez esteja perdendo seu significado. Em outubro deste ano, ela completou 101 anos. Quem observa a freira Noemi abrindo sorrisos a cada 30 segundos e relatando com leveza até os fatos mais difíceis da vida, só pode deduzir que senso de humor no dia a dia é o elixir para uma longa vida.

“Natal hoje em dia é muito diferente do meu tempo”, conta Noemi. Segundo ela, uma das coisas que mais gostava de fazer era visitar os presépios que muitas famílias em Três Pontas (MG), onde nasceu, montavam para celebrar a data. “Tinha muita gente pobre, que não tinha condições mesmo, mas fazia questão de montar presépio”, relembra.

O presépio é um dos principais símbolos da comemoração do Natal católico. Representa o nascimento de Jesus, que é a origem da celebração da data. Mas Irmã Noemi acha que as pessoas hoje em dia estão preocupadas com outras coisas e se esquecem do real significado do Natal. “Antigamente era mais piedoso, hoje em dia não, as pessoas pensam mais no presente do que no próprio menino Jesus. Só presente, e Papai Noel, e não sei o que mais”, lamenta.

Freira centenária relembra verdadeiro espírito do Natal. (Foto: Samantha Silva / G1)
Freira centenária relembra verdadeiro espírito do Natal. (Foto: Samantha Silva / G1)

Ela é de uma época em que o Natal era precedido por todo um período de reflexão e de preparação religiosa para o dia mais santo da religião católica. Haviam novenas, orações, cores que dividiam os períodos que antecediam o Natal. Ela conta que não perdia uma missa de Natal, rezada do dia 24 para o dia 25 de dezembro.

Mas apesar de lamentar velhos tempos, Irmã Noemi é um exemplo de alegria pela vida e perseverança em seu dia a dia. Ela mostra o bordado que faz até hoje, sem usar óculos. Explica que o frivolité (técnica francesa que ela usa para bordar) se torna a renda mais cara do mundo. Cada nó da renda leva 24 pontos, e cada desenho da renda tem 12 nós. Um pano de menos de meio metro pode levar cerca de um ano para ser terminado. Pouquíssimas alunas, segundo ela, tiveram paciência de aprender.

No momento, ela bordava uma renda com detalhes verdes, e explicava que a cor significa o período de caminhada para o fim do ano, usado no altar da igreja em meados de novembro. Depois vem o roxo, que significa o tempo de se preparar para o Natal, e em seguida vêm as cores oficiais da data, que são o branco e o dourado. “Fica muito bonito, mas hoje ninguém mais quer fazer isso né”, brinca, e abre um largo sorriso.

Longeva trajetória

Irmã Noemi faz bordados até hoje com técnica francesa. (Foto: Samantha Silva / G1)
Irmã Noemi faz bordados até hoje com técnica
francesa. (Foto: Samantha Silva / G1)

Todos que observam alguém que coleciona tantos dias de vida, já logo se perguntam como é possível viver tanto. “Sempre tive uma vida muito ativa. Era professora de vôlei, jogava vôlei com as meninas e tinha um grupo de mães, que vinha treinar comigo”, conta Irmã Noemi, numerando em seguida que também era professora de matemática, ciências e inglês. Em tempos que não existiam xerox nem mimeógrafos, Irmã Noemi já chegou a escrever todas as provas que aplicava à mão, e chegava a desenvolver três problemas matemáticos diferentes para cada aluno.

Da época de professora de inglês, ela ainda mantém contato com ex-alunas que mandam cartas para a freira até hoje. Ela mostra uma que acabara de receber, escrita toda em inglês, e a qual ela responderia na mesma língua (sem usar óculos). “Esta era uma aluna muito dedicada que eu tive, e adorava o inglês, então ela se dedicou muito a estudar a língua e agora só me responde em inglês”, explica ela.

Nunca pensei que ia viver 100 anos. Acho que Deus não me quer na frente dele não."
Irmã Noemi

Irmã Lucy Maria Sperandio também é do Colégio Santos Anjos e fica responsável por cuidar da de Noemi. Além da atividade constante, para Lucy, disciplina também é fundamental para se viver bem e muito. “Ela é muito disciplinada, ela come na hora certa, come pouquinho, se delicia com pão e manteiga e um pouquinho de açúcar, mas nunca exagera. E ri muito, gosta de piadas”, conta ela, enquanto Irmã Noemi balança a cabeça concordando. Em seguida, conta duas piadas, rindo até cansar depois de cada uma delas.

Lucy continua falando que, apesar das dores fortes que Irmã Noemi sente nas pernas, ela nunca reclama, levanta às 5h todos os dias para as orações e ela mesma se cuida. “6h30 estou na capela”, comenta Noemi. A freira conta ainda que adorava tocar violão e nunca teve inimigos na vida. “O que ela mais faz é rezar e rir”, continua Irmã Lucy. “Ela às vezes toma um tombo, e eu vou acudir. Quando chego perto dela, ela está rindo no chão. Acha graça do tombo que teve”, completa ela.

Ao contar como escolheu ser freira, a memória de Noemi é admirável. “Toda vida tive vocação para ser freira. Algumas irmãs do Santos Anjos iam sempre para a casa da minha tia em Três Pontas, aí eu escolhi entrar no convento delas”, lembra ela. Em seguida, numera todas as datas de sua trajetória de cor, contando que foi para o Rio de Janeiro (RJ) em 1927, depois Varginha (MG) em 1933, seguiu para Além Paraíba (MG) em 1948, São Paulo (SP) em 1966 e finalmente Varginha de novo em 1968. “Vim pra cá e não vou sair mais”, conta, rindo.

Irmã Noemi faz bordados até hoje com técnica francesa. (Foto: Samantha Silva / G1)
Religiosa comemora o seu 101º Natal.
(Foto: Samantha Silva / G1)

Talvez os dias mais difíceis que tenha enfrentado foram quando descobriu um câncer na mama, já aos 78 anos. O tratamento foi difícil, e ela conta que passou por quase 70 sessões de quimioterapia. Quase morreu quando, em seguida ao tratamento, desenvolveu uma pneumonia. Quando você acha que ela vai começar a se lamentar, Irmã Noemi solta: “E o pior de tudo é que eu não morri (risos). Tem gente mais nova que tem pneumonia e morre, e eu tive e não morri (mais risos)”.

Então foram muitos Natais...

“Eu não suporto é ficar a toa”, diz Irmã Noemi. “Ligar televisão e ficar sentada olhando televisão, eu não!” Depois comenta que também não gosta do que assiste todos os dias na TV, muita violência e muita tristeza, nas palavras dela. Ao refletir sobre a passagem do tempo, ela acha que a humanidade perdeu muito no sentido da moral. “A mentalidade mudou muito, hoje tudo está muito difícil”, diz ela.

Em seguida, ela é questionada se acha que a humanidade tem jeito, e a resposta vem sem muita reflexão: “Não tem jeito não”, diz ela. Mas depois abaixa a cabeça, pensa por alguns segundos, e completa: “A juventude. Tem que ir vendo se temos como mudar a juventude”, diz ela. Após completar um século de existência, a pergunta final é se ela esperava que ia viver tanto. Irmã Noemi responde: “Nunca pensei que ia viver 100 anos. Acho que Deus não me quer na frente dele não”, conclui ela, seguida de muitos risos.

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