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31/08/2011 20h45

Opinião José Luis Aires - Na Fumaça do Trêm - O bilheteiro Sinval

José Luis Aires - Na Fumaça do Trêm - O bilheteiro Sinval

 

Em meio ao aglomerado de turistas que à plataforma da estação de São Lourenço se posicionava no aguardo da partida do Trem das Águas para mais um passeio, um senhor oferecia bilhetes de loteria aos que ali se encontravam, a tentar vendê-los apregoando a sorte. Chegando ao balcão do quiosque de venda de queijos onde eu posicionado a tudo apreciava, ofereceu-me; declinei em adquiri-los. Um senhor ao lado que o observava pediu para ver o número e logo em seguida solicitou um gasparino (fração de bilhete de loteria,) no que foi atendido pelo bilheteiro, após insistir na compra da totalidade. Ao nos deixar, o cidadão ao meu lado, guardando o gasparino, vira-se para mim e, um tanto esperançoso, fala: - Quem sabe não chegou a minha hora de ser contemplado? Só comprei pela coincidência, medidas as semelhanças, com um fato ocorrido na minha puberdade, quando em Cruzeiro – SP, ao desembarcar do expresso proveniente de Varginha – MG, onde como interno no Colégio Marista regressava toda sexta-feira para casa, tive a sorte nas mãos e não pude aproveitá-la e pôs-se a narrar:


- No que deixei o vagão e passei a caminhar pela plataforma, que se apresentava bem movimentada, fui abordado pelo velho bilheteiro, seu Sinval, perguntando qual foi o número do meu assento no vagão. Olhando-o espantado, respondi que foi o 28. Sorrindo, apresentou-me um bilhete inteiro cuja combinação dos algarismos; da Maria Fumaça de número 232 e mais o 28 da poltrona era justamente a dezena de milhar do bilhete23228. Respondendo-lhe que não queria, o mesmo insistiu que ficasse. Confuso, pensei: Porque tinha que ser eu o escolhido entre centenas de pessoas que ali transitavam? Inclusive sendo eu um garoto e, lógico, desprovido de dinheiro para comprar bilhetes. Diante da minha exitação entre tentação de adolescente e o receio de fazer a coisa errada a olhar o bilhete, optei pela devolução, entregando-o. Tentando me convencer, insistindo, dizendo que só o pegasse quando recebesse o prémio, colocou-o no bolso do meu casaco desaparecendo em meio às pessoas.


Estático e atônito à plataforma, desdobrei o bilhete e, mais uma vez, me fixei no número e resolvi guardá-lo na pasta no intuito de devolvê-lo posteriormente. Confesso que fiquei a matutar em como seria se ganhasse a sorte grande. Afinal, como menor de idade, claro , não poderia receber o prêmio. Contar a meu pai que aceitei o bilhete, óbvio que seria severamente repreendido e quiçá castigado pelo comprometimento com o jogo. Portanto, o melhor a fazer seria escondê-lo e tentar devolvê-lo quando regressasse ao colégio. Só que domingo a tarde não o encontraria. A alternativa era entregá-lo na próxima sexta-feira.


Aquele dilema ficou a fustigar-me a todo instante, sem que houvesse trégua, a ponto de minha mãe notar meu comportamento acabrunhado a perguntar-me o que ocorria.
No domingo, após a missa, papai me pediu para comprar o jornal. E qual a minha surpresa ao verificar o resultado da loteria exposto na banca? Lá estava o número 23.228 correspondente ao terceiro prêmio com a premiação de 5.000 contos de réis,o que representava um dinheirão! Mas e agora, o que fazer?

Resolvi então contar e mostrar à mamãe que, assustada, sem saber como agir, decidiu contar o episódio ao papai. Claro que sobrou para mim e depois debaixo de muita repreensão com promessas de surras caso repetisse tal coisa, fui castigado dois fins de semana em ter que permanecer no colégio por sua ordem à direção. Quanto ao bilhete premiado, meu pai ficou de devolver ao seu Sinval na segunda –feira, a dizer que dinheiro se ganha com muito trabalho honesto e com dignidade e não através de jogatinas na dependência da sorte. Além disso, iria lhe passar uma descompostura por induzir uma criança ao jogo e ao vício.


Depois de ter o bilhete premiado, seu Sinval nunca mais foi visto em Cruzeiro a vender seus gasparinos na estação férrea e cercanias. Também, pudera, com aquele dinheirão tinha mesmo que desaparecer da cidade e dos “amigos”. Portanto, quem sabe não foi o espírito de Sinval que me induziu a comprar este gasparino! Seria uma maneira de retribuir o gesto do meu pai há quase sessenta anos depois!

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