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São Lourenço - Notícias
04/02/2016 11h20

Artesãos de rua de São Lourenço unem-se para contestar Lei que consideram preconceituosa

Prefeito Municipal recebeu os profissionais em reunião para debater a questão

Prefeito Municipal recebeu os artesãos de rua em reunião 

O Decreto de Lei nº 5.814, publicado no dia 27 de janeiro, delimita local para atuação de artesãos ‘hippies’. No final de semana, período em que os artesãos de rua trabalham, geralmente no Calçadão, a fiscal da prefeitura foi de encontro a eles com o decreto na mão, notificando-os que não poderiam trabalhar ali. A questão gerou controvérsia pelo termo escolhido para identifica-los: “hippies”.

“Consideramos o decreto discriminatório, exatamente pela escolha desta nominação. A nossa cultura é uma cultura de rua. Os hippies viveram na década de 60, 70, numa cultura norte-americana. Estamos trabalhando. Somos artesãos”, explica Mateus Victor, artesão e professor de Língua Portuguesa.
Em reunião com os profissionais na última segunda-feira, dia 1º, o prefeito municipal, José Neto, declarou que o objetivo do decreto não era esse, mas sim a regulamentação do espaço de trabalho dos ‘artesãos hippies’. Ainda sublinhou que questionou o termo “hippies” junto ao jurídico, mas foi-lhe garantido que este não é discriminatório e por isso não irá revogar o decreto.
“Ainda assim, o trabalho deve ser regulamentado e o objetivo do decreto é essencialmente o cadastramento das pessoas que exercem esta atividade e a sua localização”, declarou o prefeito em reunião.
“A questão é: o que define um hippie?”, questiona Daniela Sylvestre, advogada que acompanhou o grupo durante a reunião. “Hoje em dia, o termo é usado de forma pejorativa para classificar um determinado grupo de pessoas. E, infelizmente, conduz ao preconceito social, onde as pessoas estão sendo julgadas por suas roupas, aparência e estilo de vida”, sublinha a advogada. “O decreto foi entregue em mãos a cada um deles, que o fiscal considerou ser ‘hippie’. Mas de onde vem essa consideração? Eles são artesãos, profissão regulamentada pela Lei 13.180”, continua.
Segundo a advogada, no artigo 5º da Constituição Federal, é assegurada a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença.
A reunião trouxe um debate saudável entre artistas e o poder público. No final, o Prefeito Municipal autorizou o trabalho dos artesãos de rua durante 20 dias, a contar a partir do dia 1º de fevereiro, uma vez que eles não se enquadram na categorização do Decreto. Após esse prazo, os artistas deverão fazer requerimentos individuais, expor a sua atividade e, desta forma, regulamentar o seu trabalho e localização.
“Estamos nos mobilizando para apresentar um projeto ao Prefeito”, conta Anna Terra, artesã e produtora cultural. “Queremos que se cumpra a promessa onde o prefeito assume o compromisso de abrir as portas da cidade para a Arte. Baseado nisto, iremos reivindicar espaços de atuação onde a arte popular possa ser expressada e valorizada como cultura local”, conta.

 

Artesãos de rua: identidade e expressão cultural

Artistas produzem manualmente peças de arte, com matérias naturais e muita originalidade

Mariana Gomes Westephalen é artesã há mais de 15 anos. Tem três filhas e produz peças como bolsas e cartucheiras de couro, colares com pedra, macramê, brincos e pulseiras. A matéria prima é natural e produz tudo manualmente, com dedicação e carinho por cada uma das peças. A artesã mora em São Lourenço há 5 anos e trabalha na rua. Com o seu trabalho, sustenta a sua família e depende dele para sobreviver. “Eu amo muito o que eu faço e não me vejo fazendo outra coisa”, garante a artesã.

Jorge Floresz é um viajante. É artesão de rua, nascido na Colômbia, mas está ‘na estrada’ há 13 anos. Seu artesanato apresenta peças elaboradas feitas de arame e macramê. Para ele a arte de rua é a manifestação da cultura e, acima de tudo, um estilo de vida.
Anna Terra é mãe, produtora cultural e artesã. Cria e confecciona artesanatos variados e trabalha ativamente na cidade para a promoção da cultura, da arte e do coletivo. “A arte é o meu oxigênio e sem ela eu não vivo”, afirma Anna. “Quando produzo não sou um produto do meio, mas sim um meio de produção, onde a alma dialoga com o coração”, conclui.
Outro artista local é Julio César Arantes, conhecido como Julião. Ele é sãolourenciano, tem três filhos e realiza trabalhos manuais feitos de cobre. Expõe no Calçadão há mais de 10 anos e nunca teve problemas, alimentando-se da arte e sobrevivendo dela.
Estes são alguns exemplos de artesãos que vivem ou passam por São Lourenço contribuindo para a diversidade artística e cultural. Com sua arte eles produzem bens, que vão além do conceito comercial de produto, pois há um resgate de técnicas ancestrais e de expressão cultural.
“As atividades artísticas feitas pelos artesãos de rua dão origem a bens, materiais e imateriais, portadores de referência à identidade e à memória dos diferentes grupos que formaram e ainda formam a sociedade brasileira, tais como povos indígenas, portugueses e africanos, além dos diversos imigrantes dos países mais variados, que vêm somando à nossa diversidade cultural, artística e criativa desde 1500. Essas atividades são, portanto, parte do patrimônio cultural brasileiro e devem ser promovidas e protegidas pelo Poder Público, com a colaboração da comunidade, conforme o artigo 216, 1º da Magna Carta”, relata Alan Longhi, em seu estudo (TCC, intitulado de ‘Direito e arte: a marginalização do artesão de rua no Brasil’, na USP).

 

 Mariana, ao lado de suas filha, sobrevive com o seu artesanato  Artesãos buscam despertar a arte e a beleza nas ruas
 Peças geralmente exclusivas são realizadas com dedicação e expressam a multiplicidade cultural de cada artesão, sua cultura e experiências

Breve contextualização

A arte de rua não possui uma origem definida, porém desde a Grécia antiga manifestações de arte na rua são promovidas como forma de propagação da cultura. Na Grécia pré-socrática, por exemplo, era costume cantores percorrerem o país, cantando um repertório de lendas e tradições populares e na Idade Média era costume a declamação em ruas, praças, festas e palácios, de obras literárias, elaboradas em versos e poemas.

Ao longo dos anos, a arte de rua foi se adaptando à realidade social de cada local. Atualmente, as diferentes formas de expressão de rua estão espalhadas por todo o mundo, através de apresentações de teatro, circo e artesanato, entre muitas outras.
No Brasil, o artesanato de rua é uma realidade em muitas cidades. São artistas que transformam a matéria prima em peças de arte, geralmente exclusivas, que são vendidas por quem as produz.
“O artesão de rua no Brasil não se trata de um simples vendedor ambulante, nem apenas de um morador de rua, nem exclusivamente de um artesão, nem completamente de um viajante. Toda a rede de singularidades e sentidos que envolvem o artesão de rua, refletida em seus saberes, ideias e práticas, atesta que se trata de um protagonista de uma expressão cultural complexa”, explica Alan Longhi.
A arte de rua, em todas as suas formas, contribui para a difusão da cultura e da multiplicidade cultural, valorizando a expressão individual e coletiva.

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