Para um grupo de artistas são-lourencianos, faltou transparência ao processo conduzido pela prefeitura, o que faz com que os resultados sejam suspeitos
No ano passado, a Lei Paulo Gustavo (LC nº 195/2022), que instituiu o auxílio emergencial para artistas e fazedores de cultura, destinou R$ 428.438,13 para São Lourenço-MG. Os recursos foram repassados aos beneficiários por meio de editais de chamada pública promovidos pela Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio. No entanto, o resultado do certame gerou controvérsias e está sendo contestado pela sociedade junto ao Ministério Público de Minas Gerais e ao Ministério da Cultura, através da Secretaria Federal de Controle Interno (SFC), responsável por fiscalizar e avaliar a execução dos programas de governo relacionados à gestão dos recursos públicos federais.
Essas ações, entre outras, estão sendo realizadas por um grupo de artistas sãolourencianos que se sentiram prejudicados e buscam reparação e responsabilização da Prefeitura. A artista Sônia Agni Rodrigues, com mais de trinta anos de atuação na cidade, utilizou a ‘Tribuna Livre’ na Câmara Municipal de São Lourenço em 11 de dezembro de 2023. Ela compartilhou sua trajetória, expôs seus sonhos e relatou supostas irregularidades ocorridas com ela e outros fazedores de cultura. “É muito vergonhoso receber zero em todas as categorias por causa de erros graves cometidos pelos pareceristas”, afirmou. Ainda destacou outros equívocos que devem ser reavaliados.
Para compreender melhor os apontamentos e a indignação dos artistas, produtores e agentes culturais sobre o assunto, conduzimos uma entrevista com Elissandro de Aquino. Ele é gestor cultural, professor, produtor, escritor premiado com obras traduzidas para o inglês e francês. Além disso, é pesquisador e produtor de longas-metragens pela Imagem Filmes, editor, dramaturgo e psicodramatista.
Entrevista
JCP: Por que você e outros artistas decidiram contestar os resultados da execução municipal da Lei Paulo Gustavo em São Lourenço?
Elissandro: Eu e outros artistas da cidade com relevante trajetória, como é o caso de Sonia Agni, Cy Andrade e Erich Mathias, fomos excluídos do processo por termos notas zeradas em critérios desclassificatórios, o que não é comum. Além disso, venceram a disputa projetos cujos proponentes notadamente não têm experiência nas categorias para as quais se inscreveram.
Mediante esse quadro, a vereadora Daniela Bacha (AVANTE), com apoio unânime dos demais vereadores, solicitou esclarecimentos à Secretaria Municipal de Cultura. Mas as respostas obtidas foram inconclusivas ou só fizeram lançar mais dúvidas sobre o processo. Em sua resposta à Câmara sobre a composição da comissão avaliadora dos projetos, a Secretária Municipal de Cultura Renata Prado informou que os critérios adotados para a escolha dos pareceristas que avaliaram os projetos não levou em conta formalmente seus respectivos currículos. O que é gravíssimo, afinal, “parecerista” é uma profissão especializada.
Outro ponto tormentoso, sobretudo mediante tudo o que já foi dito, diz respeito à existência de propostas vencedoras da disputa inscritas por proponentes que têm relação de trabalho com a Prefeitura. Entre elas, a do atual Secretário Municipal de Turismo, Luiz Claudio de Almeida Maciel, à época Gerente de Turismo, que, por fim, abdicou dos recursos oferecidos pelo Edital.
Também foram encaminhadas denúncias ao Ministério Público de Minas Gerais, à Secretaria Federal de Controle Interno e ao Ministério da Cultura. E um coletivo, formado por onze fazedores de cultura sãolourencianos, perpetrou um requerimento de informações à Prefeitura com base na Lei da Transparência (N° 12.527/2011).
JCP: Qual a origem desse repasse e sua importância na economia local?
Elissandro: Um estudo realizado pelo Sebrae aponta que para cada R$1,00 investido em arte e cultura, R$2,16 são produzidos para a economia do município. Um retorno de mais de 100%.
Com a Lei Paulo Gustavo o Brasil entrou em uma nova fase do fomento público à cultura. Além dos R$ 428.438,13 repassados à São Lourenço, ao recebê-los o Município se comprometeu a implantar o Sistema Municipal de Cultura e a propor um Plano Municipal de Cultura. Através de Sistema e Plano, virão novos recursos para o município, no esquema de repasses fundo a fundo, como são os repasses da saúde e da educação. Os primeiros recursos repassados nesse arranjo já estão em fase de regulamentação pelo Governo Federal, são os recursos da Lei Aldir Blanc 2, que agora não serão mais emergenciais, mas de fomento, e chegarão aos municípios, em valores parecidos com a LPG, nos próximos 5 anos. Trata-se de um valor milionário que, se bem aplicado, irá gerar trabalho, renda e dignidade para os fazedores de cultura sãolourencianos, fomentando, além dos cenários artístico e cultural, a economia e o turismo na cidade.
Então esclarecer o que houve com a “Paulo Gustavo” e aparar as arestas é essencial para que o setor cultural de São Lourenço possa se estruturar através dessas políticas públicas de cultura. E a sociedade tem um papel fundamental nesse processo. O Decreto de Fomento (nº 11453/23), que agora regula a relação dos entes federativos com a sociedade no fomento à cultura, conferiu poderes inéditos à sociedade, bem como colocou os conselhos municipais de cultura numa posição central no processo decisório de destinação destes recursos. Nossa luta é, portanto, também por uma nova sensibilidade por parte da sociedade e da Prefeitura de São Lourenço para esse cenário normativo inovador.
JCP: Diante desse cenário, como você avalia o futuro breve das políticas públicas de cultura em São Lourenço?
Elissandro: Tudo pode ser visto como um aprendizado, claro, desde que haja vontade sincera de busca pelo acerto. Foi que eu disse em entrevistas recentes à Rádio Alternativa e na live do pré-candidato a prefeito Leo Dentista. São Lourenço é uma cidade pequena, tem condições de produzir resultados eficientes com rapidez. Mas para isso é fundamental ter espírito público, humanidade e humildade. Do contrário, temos o que temos visto, o que Caetano Veloso chamou de “progresso vazio”. E isso se aplica a postura com o “kit covid” – contrariando as orientações da OMS (Organização Mundial de Saúde), a falta de planejamento que tem verticalizado a cidade, sem contar no asfalto – algo também polêmico em se tratando de uma cidade que vive a partir das águas.
Da parte da sociedade, nosso movimento coletivo demonstra que os artistas estão se gerindo, se organizando, se engajando, atuando. Nesse sentido, Tauana Romanelli, professora de canto e coral, e Larissa Maris, atriz, produtora e professora, representaram São Lourenço na Conferência Estadual de Cultura, realizada recentemente. Elas viajaram à Belo Horizonte com recursos próprios e de terceiros, uma vez que a Prefeitura se negou a apoiar a iniciativa, contrariando orientações da LPG e do MINC. No final da Conferência, Larissa foi eleita delegada estadual, o que significa que São Lourenço representará Minas Gerais na Conferência Nacional de Cultura. A Secretária de Cultura Renata Prado não compareceu a esse evento e também não se pronunciou sobre essa vitória, que é uma conquista para a região. O que nos faz questionar as prioridades desta Secretária.
No ano passado, a Lei Paulo Gustavo (LC nº 195/2022), que instituiu o auxílio emergencial para artistas e fazedores de cultura, destinou R$ 428.438,13 para São Lourenço-MG. Os recursos foram repassados aos beneficiários por meio de editais de chamada pública promovidos pela Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio. No entanto, o resultado do certame gerou controvérsias e está sendo contestado pela sociedade junto ao Ministério Público de Minas Gerais e ao Ministério da Cultura, através da Secretaria Federal de Controle Interno (SFC), responsável por fiscalizar e avaliar a execução dos programas de governo relacionados à gestão dos recursos públicos federais.
Essas ações, entre outras, estão sendo realizadas por um grupo de artistas sãolourencianos que se sentiram prejudicados e buscam reparação e responsabilização da Prefeitura. A artista Sônia Agni Rodrigues, com mais de trinta anos de atuação na cidade, utilizou a ‘Tribuna Livre’ na Câmara Municipal de São Lourenço em 11 de dezembro de 2023. Ela compartilhou sua trajetória, expôs seus sonhos e relatou supostas irregularidades ocorridas com ela e outros fazedores de cultura. “É muito vergonhoso receber zero em todas as categorias por causa de erros graves cometidos pelos pareceristas”, afirmou. Ainda destacou outros equívocos que devem ser reavaliados.
Para compreender melhor os apontamentos e a indignação dos artistas, produtores e agentes culturais sobre o assunto, conduzimos uma entrevista com Elissandro de Aquino. Ele é gestor cultural, professor, produtor, escritor premiado com obras traduzidas para o inglês e francês. Além disso, é pesquisador e produtor de longas-metragens pela Imagem Filmes, editor, dramaturgo e psicodramatista.
Entrevista
JCP: Por que você e outros artistas decidiram contestar os resultados da execução municipal da Lei Paulo Gustavo em São Lourenço?
Elissandro: Eu e outros artistas da cidade com relevante trajetória, como é o caso de Sonia Agni, Cy Andrade e Erich Mathias, fomos excluídos do processo por termos notas zeradas em critérios desclassificatórios, o que não é comum. Além disso, venceram a disputa projetos cujos proponentes notadamente não têm experiência nas categorias para as quais se inscreveram.
Mediante esse quadro, a vereadora Daniela Bacha (AVANTE), com apoio unânime dos demais vereadores, solicitou esclarecimentos à Secretaria Municipal de Cultura. Mas as respostas obtidas foram inconclusivas ou só fizeram lançar mais dúvidas sobre o processo. Em sua resposta à Câmara sobre a composição da comissão avaliadora dos projetos, a Secretária Municipal de Cultura Renata Prado informou que os critérios adotados para a escolha dos pareceristas que avaliaram os projetos não levou em conta formalmente seus respectivos currículos. O que é gravíssimo, afinal, “parecerista” é uma profissão especializada.
Outro ponto tormentoso, sobretudo mediante tudo o que já foi dito, diz respeito à existência de propostas vencedoras da disputa inscritas por proponentes que têm relação de trabalho com a Prefeitura. Entre elas, a do atual Secretário Municipal de Turismo, Luiz Claudio de Almeida Maciel, à época Gerente de Turismo, que, por fim, abdicou dos recursos oferecidos pelo Edital.
Também foram encaminhadas denúncias ao Ministério Público de Minas Gerais, à Secretaria Federal de Controle Interno e ao Ministério da Cultura. E um coletivo, formado por onze fazedores de cultura sãolourencianos, perpetrou um requerimento de informações à Prefeitura com base na Lei da Transparência (N° 12.527/2011).
JCP: Qual a origem desse repasse e sua importância na economia local?
Elissandro: Um estudo realizado pelo Sebrae aponta que para cada R$1,00 investido em arte e cultura, R$2,16 são produzidos para a economia do município. Um retorno de mais de 100%.
Com a Lei Paulo Gustavo o Brasil entrou em uma nova fase do fomento público à cultura. Além dos R$ 428.438,13 repassados à São Lourenço, ao recebê-los o Município se comprometeu a implantar o Sistema Municipal de Cultura e a propor um Plano Municipal de Cultura. Através de Sistema e Plano, virão novos recursos para o município, no esquema de repasses fundo a fundo, como são os repasses da saúde e da educação. Os primeiros recursos repassados nesse arranjo já estão em fase de regulamentação pelo Governo Federal, são os recursos da Lei Aldir Blanc 2, que agora não serão mais emergenciais, mas de fomento, e chegarão aos municípios, em valores parecidos com a LPG, nos próximos 5 anos. Trata-se de um valor milionário que, se bem aplicado, irá gerar trabalho, renda e dignidade para os fazedores de cultura sãolourencianos, fomentando, além dos cenários artístico e cultural, a economia e o turismo na cidade.
Então esclarecer o que houve com a “Paulo Gustavo” e aparar as arestas é essencial para que o setor cultural de São Lourenço possa se estruturar através dessas políticas públicas de cultura. E a sociedade tem um papel fundamental nesse processo. O Decreto de Fomento (nº 11453/23), que agora regula a relação dos entes federativos com a sociedade no fomento à cultura, conferiu poderes inéditos à sociedade, bem como colocou os conselhos municipais de cultura numa posição central no processo decisório de destinação destes recursos. Nossa luta é, portanto, também por uma nova sensibilidade por parte da sociedade e da Prefeitura de São Lourenço para esse cenário normativo inovador.
JCP: Diante desse cenário, como você avalia o futuro breve das políticas públicas de cultura em São Lourenço?
Elissandro: Tudo pode ser visto como um aprendizado, claro, desde que haja vontade sincera de busca pelo acerto. Foi que eu disse em entrevistas recentes à Rádio Alternativa e na live do pré-candidato a prefeito Leo Dentista. São Lourenço é uma cidade pequena, tem condições de produzir resultados eficientes com rapidez. Mas para isso é fundamental ter espírito público, humanidade e humildade. Do contrário, temos o que temos visto, o que Caetano Veloso chamou de “progresso vazio”. E isso se aplica a postura com o “kit covid” – contrariando as orientações da OMS (Organização Mundial de Saúde), a falta de planejamento que tem verticalizado a cidade, sem contar no asfalto – algo também polêmico em se tratando de uma cidade que vive a partir das águas.
Da parte da sociedade, nosso movimento coletivo demonstra que os artistas estão se gerindo, se organizando, se engajando, atuando. Nesse sentido, Tauana Romanelli, professora de canto e coral, e Larissa Maris, atriz, produtora e professora, representaram São Lourenço na Conferência Estadual de Cultura, realizada recentemente. Elas viajaram à Belo Horizonte com recursos próprios e de terceiros, uma vez que a Prefeitura se negou a apoiar a iniciativa, contrariando orientações da LPG e do MINC. No final da Conferência, Larissa foi eleita delegada estadual, o que significa que São Lourenço representará Minas Gerais na Conferência Nacional de Cultura. A Secretária de Cultura Renata Prado não compareceu a esse evento e também não se pronunciou sobre essa vitória, que é uma conquista para a região. O que nos faz questionar as prioridades desta Secretária.