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São Lourenço - Notícias
05/02/2015 16h24

Rompendo com a ‘epidemia de cesáreas’: um longo caminho

O parto normal tornou-se algo distante da mulher grávida e das maternidades do Brasil. Novas medidas estão sendo implantadas para mudar esse paradigma das cesáreas

Por Deborah Penna

“Eu renasci quando me permiti ser vida”, poetiza Viviane, quando relembra do nascimento da sua filha, que aconteceu em casa. “A partir do momento que eu soube que estava grávida, eu sabia que queria ter um parto normal e em casa”, conta.

A experiência de Viviane, comum às nossas antepassadas, avós e bisavós, hoje em dia é quase rara. As coisas mudaram muito rápido, com o avanço da tecnologia, descoberta da cesariana segura - que salvou muitas vidas -, tornou-se um procedimento padrão e atualmente representa 80% dos partos realizados no Brasil.

Porém, muitas das informações sobre a realidade da cesariana e os riscos não são colocados em pauta e a gestante faz uma escolha sem ter saber a real das consequências dessa escolha.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que apenas 15% dos partos sejam realizados por cesariana, pois essa seria a porcentagem de situações reais de risco à mãe ou ao bebê se o parto for feito por via natural.

A OMS explica que a cesariana ainda triplica o risco de morte materna por causa de possíveis infecções e acidentes anestésicos e amplia em 120 vezes a probabilidade de o bebê ter síndrome de angústia respiratória.

O Brasil apresenta a taxa mais alta de cesariana no mundo, com 84,6% dos partos realizados no país com planos de saúde são cesáreos.

Em São Lourenço, a situação é semelhante. Segundo dados disponibilizados pela Secretaria de Saúde Municipal, em 2013 as cesarianas no Hospital de São Lourenço chegaram a cerca de 70% dos partos e em 2014 somaram os 63%.

 “O parto é um evento fisiológico e por si só é um evento normal”, explica a doula Glaucia Figueiredo. “O parto normal não precisa de grandes doses de medicação, a recuperação é muito rápida e a mulher participa. Os hormônios libertados durante o trabalho de parto aumentam o vínculo da mãe com a criança, evitando uma possível depressão pós-parto e facilita a amamentação”, ressalta a doula.

O parto normal além de trazer inúmeros benefícios físicos para mãe e filho, espiritualmente é um rito de passagem, uma verdadeira transformação da mulher em mãe.

“O nascimento de uma criança, independente de crença ou religião, é um momento sagrado, um verdadeiro milagre. Este momento deixa marcas muito profundas na criança e também na mãe: na sua saúde física, mental e emocional por toda a vida. Por isso a mulher que está dando a luz deve ser tratada com todo amor, delicadeza, respeito e responsabilidade. Para que está experiência seja positiva para todos os envolvidos”, explica Isadora Marques Crochik, parteira e obstetriz, atuante em São Lourenço e região

“Para mim o parto é um momento sagrado e único, não um compromisso agendado”, ressalta Viviane

 

Mudando o paradigma

No dia 6 de janeiro, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) anunciaram uma nova resolução que irá pressionar as operadoras a fiscalizarem mais hospitais e médicos para diminuir a quantidade de partos cesáreos feitos por planos de saúde no Brasil.

Para o ministro da Saúde, Arthur Chioro, as inciativas devem ajudar o Brasil a se adequar aos índices estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS). "Não dá para a gente continuar considerando como normal o que não é normal, que é o parto cesáreo. O Brasil tem muito mais cesarianas do que o recomendado pela OMS, temos que reduzir isso."

Além de ações vindas das políticas públicas, há também um movimento crescente, de médicos, hospitais, enfermeiras, doulas e principalmente mulheres, para resgatar o que deveria ser normal e um direito de toda mulher: o parto normal e o protagonismo da mulher no parto.

“O que muitas mulheres estão descobrindo na prática é que parto normal e uma experiência de superação, auto-conhecimento, de criação de laços afetivos. Um verdadeiro ato de amor, que pode acontecer com calma e consciência. Bem diferente da novela! É claro que para isso a mulher e a família precisam se informar, se preparar e encontrar profissionais que a ajudem a viver esta experiência”, ressalta Isadora.

Segundo informações do Hospital de São Lourenço, a entidade tem procurado se adaptar às novas resoluções e estimular o parto normal, com várias medidas, entre elas, a presença constante de um acompanhante da gestante, medidas não-farmacológicas para alívio da dor e partograma - gráfico onde são registrados os batimentos do feto, a dilatação do colo e a altura do bebê na bacia da mãe.

Doula oferecendo massagem à gestante

Grávida no Hospital São Lourenço     

Desinformação

“A grande causa para a escolha de cesariana para uma gestante é a desinformação”, garante a doula.

Uma questão importante e que não é muito discutida é a questão sexual. “É bastante arraigada a noção de que o parto normal vai deixar a mulher 'larga' e, assim, sexualmente inadequada. A cesárea é uma alternativa à esse medo. Mas isso acontece porque há um tabu em se falar sobre esses temas e porque hoje o médico é muito técnico. É um curador, não um cuidador", disse Etelvino Trindade, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), numa entrevista à BBC Brasil.

“Infelizmente a mídia brasileira, assim como muitos profissionais e também mulheres mistificam o parto normal e ainda mais o natural, como uma experiência humilhante, traumática extremamente dolorosa e perigosa. Ninguém fala muito da humilhação, trauma, dor e perigo de uma cesariana”, ´ressalta a parteira e obstetriz Isadora.

“É importante ver vídeos, ler muito, conversar com outras mães que tiveram os diversos tipos de parto, enfim, se preparar”, sublinha Viviane.

“Falta informação e grupos de apoio. Profissionais que queiram mudar o paradigma do conhecimento”, afirma Glaucia Figueiredo.

Parto humanizado

Tem crescido um novo movimento que tem invadido hospitais e maternidades por todo o país. O parto humanizado pretende oferecer no momento em que a gestante está entrando em trabalho de parto, métodos alternativos para o alívio da dor, como massagens, banheira e bola de pilates, incentivar a mulher para que escolha a posição para dar à luz e permitir o acompanhamento da doula durante o parto.

“O ambiente do hospital não facilita o processo de entrada em parto normal. Excesso de luz, excesso de barulho, posição horizontal, frio, excesso de perguntas, tudo isso não ajuda a liberação das hormonas de parto e consequentemente demora mais a dilatação”, explica a doula.

A nova resolução da ANS prevê esses direitos e ainda apresenta novas medidas que protegem a mulher, como evitar situações como episiotomias (corte do períneo), indução do parto e parto cesariano; garantir o acesso dos pais ao bebê recém-nascido, durante as 24 horas, estando a criança na unidade de tratamento intensivo (UTI) neonatal ou não.

Entre as novas regras, fica ainda estabelecido que os planos de saúde devem informar às pacientes, em até 15 dias, a quantidade de cesarianas realizadas por médico, operadora e hospital, quando solicitados. A multa para as operadoras que não prestarem as informações quando solicitadas pela gestante será de R$ 25 mil.

O ministro da Saúde, Arthur Chioro considerou ainda como "ilegal" a cobrança feita por médicos de uma "taxa de disponibilidade" - não coberta pelo plano de saúde - para acompanhá-la no parto normal, quando esta opta pelo procedimento. Isso porque esse procedimento, em geral, é mais demorado que a cesariana, ocupando mais o tempo do médico.

Para o cardiologista, André Longo, que acabou de deixar o cargo de diretor-presidente da ANS, o "ideal é que a mulher entre em trabalho de parto e depois decida qual será o modo [de parto]" e quais as medidas para ajudá-la nesta decisão.

Um momento sagrado e em família

Viviane e Carlos são um casal como todos os outros. A notícia da chegada de uma filha deixou-os felizes e ansiosos. Mesmo assim, eles tinham uma certeza: queriam ter um parto mais natural possível, recebendo a sua filha no aconchego e conforto de casa.

“A partir do momento que eu soube que estava grávida eu sabia que eu queria ter um parto em casa”, relembra Viviane. Desde o começo da gestação ela buscou toda a informação que conseguiu, assistindo a filmes sobre o parto, lendo muitos livros e conversando com outros pais e mães que tiveram os mais diferentes tipos de parto.

“Mais importante que o enxoval, é dar essa oportunidade para a criança também: o nascimento natural”, ressalta a mãe.

O dia chegou e apesar de nunca ter sentido contrações antes, sabia que era o momento. Havia uma mistura de surpresa e medo. “Tinha uma tranquilidade junto porque sabia que tudo o que a gente podia ter feito durante a gestação, a gente fez”, conta Viviane.

Viviane ressalta a importância da participação ativa do pai e a conexão que se estabeleceu entre eles, a família. “A presença, a tranquilidade e a força dele me alimentavam para eu poder continuar”, relembra. Desejaram a presença de uma doula e de uma parteira, mas nos dias de hoje isso não é de tão fácil acesso. Por isso o parto foi em família. “Eu, meu amor e a flor das águas”, lembra, com um sorriso de amor.

“A minha bisavó era parteira e essas coisas a gente traz no sangue”, afirma Carlos. “Sentimos uma apreensão natural do momento. Ao mesmo tempo me senti invadindo por uma força e uma calma muito grande. Tinha que ter essa força para ancorar a Viviane”, relembra o pai.

“As massagens, o aconchego de estar em casa e o reencontro com a força feminina ajudou para que esse fosse um momento sagrado”, continua Viviane.

Em seus estudos durante a gestação, soube que as índias ainda grávidas iam para o meio da mata escolher um galho que tivesse a altura própria para ser o seu companheiro na hora do parto. Depois quando chegava o momento ela se dirigia sozinha para as matas, para o galho escolhido e paria, de forma natural e tranquila.

Com essa lembrança, eles prepararam um trapézio, em cima da cama, para servir de apoio à Viviane. “Durante as contrações eu me segurava nele e nos intervalos, descansava nele”, conta.

Além do trapézio, o casal montou uma piscina, sabendo que a água poderia ser um lugar de descanso durante as contrações. Ainda assim, Viviane sabia que não poderia parir ali por não conseguir uma temperatura de água constante, como é necessário.

“Depois de 8 horas, quando eu pensei que não tinha mais forças eu senti a minha filhinha dentro de mim fazendo um impulso para sair. Me conectei com ela, fui na mesma intenção desses impulsos e ela nasceu. Perfeita e feliz!”, conta.

Após o nascimento Viviane teve uma recuperação muito rápida e não precisou de pontos. Para se assegurar fizeram uma visita numa clínica médica, onde ficou confirmado que tanto a mãe como a criança estavam bem.

“Por ter toda a intervenção no parto, a mulher não se considera mais capaz de parir, sendo que na verdade ela faz isso há milhares de anos”, reflete Viviane e acrescenta. “Devemos respeitar que cada criança é um ser iluminado, que vem para fazer a diferença. Respeitar que cada criança é única e não um produto. Cada parto é diferente um do outro porque somos únicos”, reflete Viviane.

Para o casal é importante o estudo, procurar informações de diferentes fontes e vivenciar tanto a gestação como o momento do parto, recuperando a ancestralidade e a conexão com o nascimento.

Para concluir, Viviane deixa um recado para todas as mulheres e mães:

“Mães, acreditem na sua força geradora de vida!”

 


 Contatos da doula e parteira/obstetriz:

Parteira / Obstetriz: Isadora Marques Crochik

Email: isadoracrochik@gmail.com

 

Doula: Glaucia Figueiredo

Email: giamassagem@gmail.com

Telefone: (35) 9231-6776

Facebook: https://www.facebook.com/giamassagem

 

 

                                                                                                                                                                      Foto: Mariana Jacob

  Isabel teve sua filha com parto normal, em um hospital de Portugal - A foto é um ensaio fotográfico realizado por Mariana Jacob

 

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