20/08/2019 09h10
A escrita poética de Adriana Lisboa
Adriana Lisboa está completando 20 anos de trabalhos na literatura brasileira - vivendo nos Estados Unidos, ela está agora no Brasil para uma série de eventos de lançamento de seus dois novos livros: a coletânea de poemas Deriva (Relicário) e o romance Todos os Santos (Alfaguara). Nesta terça-feira, 20, ela participa do projeto Sempre um Papo, com o escritor Luiz Ruffato, no Sesc 24 de Maio, às 19h30, com entrada gratuita. Sobre os livros, Adriana respondeu às seguintes perguntas.
A palavra 'deriva' sugere uma embarcação mais ou menos perdida, sem rumo. Mas os poemas aqui parecem não estar à deriva; ao contrário, no conjunto, formam uma espécie de comentário poético sobre o estado das coisas. Essa dicotomia foi algo pensado para esses poemas?
Tenho a impressão de que de um modo ou de outro estamos sempre à deriva. A vida não acata o controle que supomos ter sobre ela. Esse livro foi escrito num momento pessoal e coletivo de sensação de enorme falta de rumo, entre 2017 e 2019, e acho que os poemas buscam fugir à tentação de encontrar um rumo inexistente. Gosto da ideia de comentário, que você sugere na pergunta. Os comentários são à s vezes (ou quase sempre), neste caso, construÃdos por interrogações, por um julgamento que não se define, por um movimento que para mim é como o do mar aberto, quando não se sabe muito bem para onde se vai. Mas, de todo modo, há ilhas no trajeto, e há também a liberdade que é uma espécie de trunfo diante da incerteza de da indefinição.
Como a sua estada fora do Brasil contribuiu para a elaboração do luto e da saudade presente nas páginas de Todos os Santos?
Todos os Santos foi um romance que levei seis anos para escrever - não trabalhei nele todo esse tempo, mas foi o que levou para vir à luz, depois de outros projetos descartados. Meu romance anterior, Hanói, saiu em 2013, e no inÃcio de 2014 vivi uma das experiências mais difÃceis e marcantes da minha vida: a morte inesperada da minha mãe. Então, minha lÃngua materna ganhou uma espécie de novo status, tornando-se de fato a minha "mátria", para usar a expressão de Caetano Veloso. A lÃngua foi refúgio ao longo desses seis anos fundamentais à elaboração do luto, ao qual se somaram outras perdas em minha vida pessoal, mas também na esfera coletiva. Todos os Santos foi uma maneira de vencer a tristeza que à s vezes parece que vai levar a melhor, de continuar inteira e com vontade de escrever.
Nas suas últimas ficções, esse senso de deslocamento está muito presente. Como você acredita que a última década aprofundou e ao mesmo tempo deturpou a discussão sobre deslocamentos, migrações e zonas fronteiriças (que você aborda nesses livros)?
Em Todos os Santos, o deslocamento que mais me interessa não é o dos personagens à Nova Zelândia - que no livro não é um cenário essencial, mas quase que um não-lugar, rarefeito e longÃnquo. Aqui, a migração das aves me interessa, e o que ela significa em termos de resiliência de uma espécie mas também da violência da presença humana no mundo. Tenho a impressão de que nesses romances o tema do deslocamento veio se ressemantizando e se ampliando, de modo que hoje já não me interessa tanto falar de choques culturais etc, mas sim (e aà faço uma ponte com o livro de poesia) esse estar à deriva que é uma marca dos nossos tempos mas também uma marca da nossa própria existência no mundo. Nesses últimos doze anos, as questões envolvendo deslocamentos, migrações e zonas fronteiriças se tornaram de uma urgência aterradora, e ao mesmo tempo observa-se um discurso cada vez mais encarniçado de exclusão do outro e de defesa violenta do "meu" que é a mais equivocada de todas as respostas. Nossas conquistas cientÃfico-tecnológicas precisam de uma evolução ética da mesma envergadura.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo