20/01/2019 15h22
Alemanha comemora 100 anos da Bauhaus
A escola de arte Bauhaus, cujas linhas refinadas e "espÃrito revolucionário" podem ser observados hoje em dia nos iPhones ou nos móveis da Ikea, celebra seu centenário na Alemanha com um debate polÃtico sobre seu legado como pano de fundo.
Weimar, no leste do paÃs, pode, com suas pequenas ruas de paralelepÃpedos e seu charmoso centro histórico, parecer um local de nascimento surpreendente para este movimento, moderno e minimalista, fundado em 1º de abril de 1919 pelo arquiteto e designer alemão Walter Gropius.
Após os horrores da Primeira Guerra Mundial, "os artistas se reuniram para criar uma nova forma de arte, com ideias bastante utópicas e idealistas", explica Anke Blümm, curadora da Fundação Bauhaus em Weimar.
Seguindo a doutrina de "a forma segue a função" - o prático prima sobre a estética - , a Bauhaus desejava criar objetos ou prédios de desenho acessÃvel para todas as classes.
Este ano, Weimar, também conhecida por ser a cidade de Goethe, será o coração das comemorações da Bauhaus no paÃs, e espera atrair turistas de todo o mundo.
Um novo museu abrirá suas portas na primavera, e a "Haus am Horn", primeira casa branca de teto plano (caracterÃstica da corrente Bauhaus) construÃda segundo os princÃpios da escola, em 1923, voltará a receber o público em maio.
A corrente Bauhaus "é uma de nossas exportações culturais mais influentes", disse o chefe de Estado alemão, Frank-Walter Steinmeier, na largada das comemorações.
- Diáspora -Quando o regime nazista a proibiu, em 1933, vários artistas deixaram a Alemanha, criando uma diáspora que espalhou a cultura da Bauhaus pelo mundo.
As construções com este selo mais conhecidas fora da Alemanha são a sede da ONU, em Nova York, com suas linhas puras, ou a "Cidade Branca" de Tel Aviv, inscrita no Patrimônio Mundial da Unesco, com seus 4 mil apartamentos de fachadas brancas e lisas e esquinas e varandas frequentemente arredondados.
Também há diversos objetos do cotidiano da época, como as famosas cadeiras, e os quadros ou fotografias expostos em museus. Sem levar o selo Bauhaus, as mesas da gigante sueca Ikea e a maioria dos celulares herdaram o seu estilo.
Entre os seus pilares, a escola conta com pintores renomados, como o russo Wassily Kandinsky e o suÃço Paul Klee, figura do surrealismo, embora este último tenha acabado se distanciando do movimento, por considerá-lo muito fundamentalista.
A Bauhaus era movida por uma visão reformista, e inspirada nos progressos tecnológicos que se seguiram à Grande Guerra.
Para o historiador Winfried Speitkamp, diretor da Universidade da Bauhaus em Weimar, que continua ensinando os princÃpios da escola no mesmo campus que outrora, o objetivo era construir, através da arte, uma nova sociedade democrática sobre as ruÃnas do império germânico. Isto coincidindo com uma democracia incipiente e frágil, também nascida em Weimar. "Queriam acabar com a monarquia, muito autoritária e militarista."
- 'EspÃrito da Bauhaus' -Como a República de Weimar, a Bauhaus tornou-se rapidamente alvo dos nazistas nos anos 1920. "É tÃpico da extrema direita considerar qualquer movimento que propague novas formas de cooperar e criar, uma abertura e diversidade, algo perigoso", assinala Speitkamp.
Isto embora, como destaca o semanário "Die Zeit", o movimento evitasse se comprometer contra os poderes polÃticos, para, desta forma, manter o apoio financeiro vital do Estado. "Gropius insistia em que sua Bauhaus não era nem bolchevique, nem judaica, nem alemã", lembra a publicação, um tanto crÃtica com a apresentação idÃlica que se faz do movimento 100 anos depois.
Agora, em um momento de auge nacionalista em vários paÃses da Europa e do mundo, os festejos da Bauhaus dão lugar ao debate.
"Queremos seguir o caminho da globalização ou precisamos reforçar nossas fronteiras e definir uma nação por sua etnia?", questiona Speitkamp. "Disto se trata o debate em torno da Bauhaus", assinala, referindo-se a uma polêmica ocorrida no ano passado devido a um show do grupo punk Feine Sahne Fischfilet, ovelha negra da extrema direita no paÃs, no campus da Bauhaus em Dessau, de onde a escola foi expulsa em 1925.
A Fundação Bauhaus cancelou o show na última hora, citando ameaças da extrema direita e uma vontade de se distanciar de "qualquer extremismo polÃtico, seja de direita ou esquerda".
A decisão lhe valeu uma chuva de crÃticas, uma vez que ia de encontro à s raÃzes do movimento. O espetáculo finalmente aconteceu, em um teatro de Dessau, que, como Weimar, encontra-se no território da antiga RDA, hoje reduto do partido de extrema direita alemão AfD.
A fundação acabou pedindo desculpas e prometeu continuar sendo "um local transparente, aberto e internacional para os debates da sociedade, segundo o espÃrito da Bauhaus".
Fonte: Estadão Conteúdo