03:37hs
Quarta Feira, 17 de Julho de 2024

Leia nossas últimas edições

Leia agora o Correio do Papagaio - Edição 1865
Variedades
05/07/2022 08h20

'As Verdades', com Lázaro Ramos, lembra filme de Kurosawa

Ator ele nunca deixou de ser. Baiano, formado na escola do Olodum, Lázaro Ramos fez filmes importantes como Madame Satã, Ó Paí Ó e Cidade Baixa, para citar apenas três. A direção já era um projeto para o qual ele se preparava.
É o primeiro a admitir que o sucesso de Medida Provisória foi uma coisa planejada e construída, e mesmo assim o surpreendeu. O filme virou um fenômeno social, bandeira da comunidade negra para a discussão de questões como desigualdade e inserção social - pertencimento. Lázaro está de volta à frente das câmeras em As Verdades. O longa de José Eduardo Belmonte, já em cartaz, tem o ator como o protagonista, o policial Josué.

Você nunca o viu assim em cena. Lázaro cria um personagem meio largado, parece mais gordo. É só uma postura física para a construção da identidade de Josué, ou ele realmente engordou para o papel? "É uma mistura das duas coisas, mas surgiu de forma muito natural, num trabalho integrado de ator e direção. Belmonte tem um método peculiar de direção de elenco. Não é o tradicional trabalho de mesa, mas ele estimula a gente a vestir o personagem, a se sentir confortável na sua pele, mesmo quando a essência da figura é o desconforto. O Josué investiga um assassinato. Interroga os suspeitos, ouve as diferentes versões, as tais verdades. O filme aborda um tema visceral no Brasil de hoje, a violência contra a mulher. E, nesse quesito, o Josué é um omisso."

VERSÕES

As verdades, a verdade de cada um. Não é a primeira vez que Belmonte pega um projeto andando. O filme Alemão veio do produtor Rodrigo Teixeira, As Verdades tem, nos créditos, a consultoria de roteiro de dois craques, Guel Arraes e George Moura. Alguém já disse que o filme se perde entre o policial e o romance. Depende do olhar. Quem atacou Zecarlos Machado, passando com o carro por cima dele e deixando-o todo estropiado na cama de hospital? A amante? O pistoleiro fissurado na garota, e que inclusive a estupra quando Zecarlos está caído no chão? O filme já nasceu como as verdades, as versões de cada um. Faz lembrar o longa que deu projeção internacional a Akira Kurosawa, em 1950 - Rashomon. O autor, por sinal, é o mesmo, Ryunosuke Akutagawa. O repórter o define como 'pirandelliano'. E Belmonte: "Gosto dessa ideia do Pirandello a nortear a pesquisa".

Personagens em busca de um autor. O próprio Pirandello dizia: "A vida se vive, ou se escreve". O baú de máscaras compõe seu laboratório teatral, como situa Maurício Santana Dias no prefácio de 40 Novelas de Luigi Pirandello, da Companhia das Letras. No filme, o atropelado é Zecarlos e Bianca Bin e Thomas Aquino acusam-se mutuamente. Cada ator tem de defender a sua versão, menos Lázaro. Como investigador, ele está ali para pressionar os integrantes do grupo e fazer a verdade vir à tona. Pouco antes de falar com ele ao telefone, o repórter viu na TV o caso do sujeito em Belo Horizonte que agredia mulheres na rua e depois passava com o carro por cima delas. Um barbarismo.

"A violência contra as mulheres sempre foi um problema no Brasil, mas foi acentuada durante a pandemia. Nesse quadro, ao invés de agir, Josué omite-se", Lázaro reflete. Thomas Aquino, o ator que fazia Charuto em Bacurau, conta que o matador, Cícero, tem a força física, mas nunca pensou em fazer dele um tipo saradão. "Nunca havia criado nada parecido, essa coisa de interpretar diferentes versões de um mesmo fato e ter de defender todas elas. Qual é a verdade? O Cícero é atraído pela Francisca" - e o repórter o interrompe porque, nesse momento, a propaganda do filme na TV mostra o pistoleiro na feira, a mulher passando por ele, que sente seu perfume e a segue. "É isso, essa atração, mas o cara pode ser um animal, usa sua força, a violência, contra ela."

Lázaro, de volta. "Foi um filme muito interessante, complexo de fazer. Filmamos tudo em 17 ou 18 dias, e havia essa ambiguidade, nenhuma certeza. Às vezes, no mesmo dia, a gente filmava versões diferentes. Tínhamos de estar espertos." O roteiro foi uma ferramenta valiosa. Lázaro sabe do que está falando. "Desde adolescente, sempre gostei muito de escrever." Tornou-se autor infantil, e não apenas. Lançou o Diário de Medida Provisória.

"Nesse caso, o diário nasceu como um guia para mim, que ia registrando o processo, a intenção. A coisa tomou forma e o diário foi incorporado ao desenvolvimento do projeto. O Medida foi feito por uma equipe predominantemente preta. Tornou-se importante para a gente documentar esse processo."

Ator, vale repetir, ele sempre será. Mas a direção não foi só a aventura do Medida. "Há um ano, saí da Globo e assinei com a Amazon Prime Vídeo. Ingrid Guimarães e eu temos um contrato para fazermos projetos nossos, só o que quisermos. Fiz um musical, que já está filmado. Um Ano Inesquecível - Outono é de quatro diretores. Esse é o ano inesquecível, 2022, a eleição. O Brasil tem de dialogar consigo mesmo, tem de se reencontrar", espera. Um musical? Pensando bem, esse universo do artifício e do espetáculo tem acompanhado Lázaro desde Madame Satã, o longa de Karim Aïnouz, de 2002. "A série Mister Brau, que fiz na Globo, também tinha tudo a ver com música. A ginga do brasileiro passa pela musicalidade", ele diz.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: Estadão Conteúdo
PUBLICIDADES
SIGA-NOS
CONTATO
Telefone: (35) 99965-4038
E-mail: comercial@correiodopapagaio.com.br