16/07/2018 11h11
Bryan Cranston dá voz a um cão de 'Ilha dos Cachorros', de Wes Anderson
Laureada com o Urso de Prata de Melhor Direção, em fevereiro, no Festival de Berlim, do qual foi o filme de abertura, e coroado com uma bilheteria de US$ 62 milhões, cifras astronômicas para o padrão da animação em stop motion, "Ilha dos Cachorros", novo exercÃcio autoral do texano Wes Anderson, estreia no Brasil no próximo dia 19, pleiteando uma vaga no Oscar. E há quem diga, nos EUA, que, pela primeira vez, um dublador pode receber indicações para os maiores prêmios da indústria hollywoodiana por seu desempenho nesta produção animada: um dublador de popularidade tamanho GG no mundo todo, chamado Bryan Cranston. Aos 62 anos, o eterno Walter White, do seriado "Breaking Bad", dubla o herói desta distopia que Wes ambienta num Japão futurista, inspirado nos épicos de Akira Kurosawa e nos desenhos de Hayao Miyazaki: o vira-lata Chief.
"É muito bonito ver a fantasia voltar à s telas neste momento de instabilidade polÃtica global", disse Cranston na Berlinale. "Ver essa fantasia representada por um mundo autoral, que reflete a poesia autoral de um cineasta, é ainda mais encantador. Wes é um fabulador."
Apesar de esbanjar simpatia na forma de um sorriso onipresente, de orelha a orelha, capaz de aquecer suas reflexões mais desencantadas sobre os rumos dos EUA hoje, Cranston intimida: a persona de Walter White, talvez o mais popular anti-herói da teledramaturgia americana dos anos 2000/2010, ainda está ali com ele. E isso se dá mesmo quando novos papéis jogam o ator californiano de 62 anos a léguas de "Breaking Bad". É o caso do cachorrinho Chief, para quem ele empresta seu rascante vozeirão em "Isle of Dogs" (tÃtulo original). Em Berlim, a aparição pública do ator causava comoção. Gente usando camisetas com a imagem de White (de chapéu ou de máscara de gás) assediava ele por todo lado.
"Carinho a gente respeita, porque é difÃcil construir um grande personagem, alguém que fique", disse Cranston.
Na nova trama do realizador de "O Grande Hotel Budapeste" (2014), o menino Atari vai até um lixão a céu aberto resgatar seu cãozinho. Lá encontra a ajuda de Chief, uma criatura zangada com a vida, mas generosa com quem precisa. O filme vai ser tema de um painel no Anima Mundi, o maior festival de animação das Américas, que aporta no Rio de Janeiro de 21 a 29 de julho e, em São Paulo, de 1º a 5 de agosto. Em solo carioca, o evento vai receber um dos talentos do time de animadores de Wes, Matias Liebrecht, para uma palestra sobre o processo de criação. "É um filme de amor sobre um dos grandes assuntos do mundo contemporâneo: formação de famÃlias atÃpicas, fora dos padrões. Atari e os cachorros criam um arranjo familiar incomum", definiu Cranston, em solo alemão, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, um dia depois de uma performance sua em uma coletiva da Berlinale ter virado Memê.
No evento, ao ser perguntado sobre a importância do silêncio para sua forma de atuar, ele respondeu só com gestos, levando os jornalistas à s gargalhadas. "Wes faz da palavra, do diálogo, um instrumento da ironia. Dublar um roteiro dele é encarnar essa ironia e dar a ela camadas de humanidade. Eu fiz uma série de TV que teve a glória de ganhar o respeito e o afeto das pessoas. TV é texto. Mas o que sustenta um bom texto são as lacunas nas quais o ator busca o sentido por trás de cada sÃlaba. É assim, nessa busca de sentido, que um ator pode criar e fazer diferença", analisa Cranston, que começou a atuar na televisão, no inÃcio dos anos 1980 e custou até ser percebido (e reconhecido) por Hollywood. "Fazer arte dá trabalho. Mas, de papel em papel, você tira lições válidas sobre o nosso tempo."
Indicado para o Oscar de Melhor Ator em 2016 por "Trumbo - Lista Negra", Cranston dá um colorido trágico a Chief, fazendo do cãozinho um resistente em meio a um ambiente de intolerância. "Estamos enfrentando tempos de muita desesperança, não apenas por múltiplas contingências econômicas da América, mas por opções de governo com a qual não concordamos, sobretudo a prática da intolerância. Vivo hoje em um paÃs que desaprendeu a lidar com as diferenças. Tenho ficado muito atento no cinema a histórias que joguem alguma luz sobre isso, sobre o porquê de alimentarmos a violência", diz Cranston, confessando sua paixão por um filme que funciona como um Ãmã de debates contra o racismo, contra a xenofobia: "Rastros de Ódio" (1956), do diretor John Ford (1894-1973).
Ele confessa também ser fã do desempenho de John Wayne (1907-1979) como o ex-militar Ethan Edwards, que caçava sua sobrinha raptada por Ãndios. "Adoraria entender como a figura de Ethan funcionaria simbolicamente nos dias de hoje, em meio à correção polÃtica e à histeria do ódio nos EUA. Talvez o que tenha me atraÃdo no filme de Wes Anderson, Ilha dos Cachorros, seja a dinâmica que alguém que, como Ethan, vai atrás de um ente querido perdido. E essa jornada desafia o ódio a espécies, a raças", diz Cranston. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo