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05/10/2016 07h50

Curitiba foge do clichê com a prosa rica de Luís Henrique Pellanda

"É comum me perguntarem o quanto de verdade há nas histórias que escrevo", especula Luis Henrique Pellanda, 43, em Mentirosos, uma das crônicas de Detetive à Deriva - que o autor e a Arquipélago lançam nesta quarta-feira, 5, em São Paulo, na Livraria Blooks do Shopping Frei Caneca, às 19h. "Respondo com meias-verdades: não sei, não importa, ninguém sabe." É nesse tom que passeia entre o irônico, o afetuoso e a observação atenta, que as crônicas se apresentam. O autor falou com o jornal "O Estado de S. Paulo" sobre sua produção.

De onde vem essa relação tão intensa com a cidade?

Desde menino, sou leitor e pedestre. Eu era uma criança suburbana, e tanto os livros quanto minhas incursões pelo bairro, pelo mato e, mais tarde, pelo centro de Curitiba, me davam alguma esperança de fuga. A estagnação era o meu pesadelo. Por outro lado, ler livros era como andar na rua, e vice-versa. As melhores ruas têm entrelinhas largas. Os melhores livros têm esquinas generosas, vias que se bifurcam. A imagem do labirinto é cara tanto à cidade quanto à literatura. Lembro de uma ideia do escritor francês Edmond Jaloux: para o artista andante, virar à esquerda ou à direita já é um ato essencialmente poético. E, claro, político. A crônica, para mim, é o gênero mais adequado a esses exercícios.

Essa exploração literária da cidade também é uma investigação, não? Que culpado você procura? E culpado de quê?

Não procuro culpados nem serve a um cronista esse papel. Especialmente a um cronista de Curitiba, lugar que vem se firmando diante do Brasil como uma espécie de cidade-tribunal. Sei que julgar é demasiadamente humano, vivemos formando juízos. Mas o problema com os julgamentos é que eles, cada vez mais, têm partido de um desejo de condenação do outro, do diferente, do adversário. São rituais de desafogo, e literatura não é isso. Ela é, sim, investigação, e uma de suas formas mais eficientes é a exploração literária de nossas cidades.

Vamos supor que o cronista é um olhar, ou melhor, um jeito de olhar. De onde você olha? Isso é algo que o preocupa?

Olho de uma janela simbólica. Ao comentar o amor dos cariocas pelas janelas, João do Rio já antecipava certa cultura janeleira que viria a caracterizar o brasileiro de modo geral. Com o tempo, claro, essa janela de onde vemos e somos vistos foi se transformando. Virou tevê, internet, celular. Por isso, ao dizer que olho o mundo a partir de uma janela, falo da janela como fronteira. A crônica é um gênero fronteiriço, fica entre o jornalismo e a literatura, o real e o ficcional, o efêmero e o eterno. E a janela é esse lugar entre o dentro e o fora, o público e o privado, o lar e a rua, o eu e o outro.

Esse livro me pareceu mais recheado de reflexões pessoais. Um escritor, ao amadurecer, se volta mais para si e para os seus?

Faz sete anos que escrevo crônicas semanais, e penso que a prática e a chegada dos leitores nos põem mais à vontade. O que pode ser perigoso, mas nunca indesejável. Só acho que essa percepção de amadurecimento pode ter mais a ver com o momento do leitor do que com o do escritor. A última palavra de qualquer livro será sempre do leitor.

Rubem Braga ou Antônio Maria? Qual é o seu débito com a tradição da crônica brasileira? Antes você se dizia devedor por não ter escrito crônica de passarinhos…, mas aqui já há, mesmo que, na maior parte das vezes, sejam urubus.

Ambos me comovem. Mas, como há muito deixei de ser um animal noturno, a sensibilidade de Rubem Braga, mais solar, apesar de soturna, talvez se aproxime mais da minha. Apenas não acho que os leitores precisem buscar, num cronista, uma identificação de fundo pessoal. Não é comigo que os leitores devem se identificar, e sim com a cidade, esse conjunto de resistências solitárias. Dito isso, devo muito a Braga e a Maria, e também a Verissimo, minha primeira leitura literária, na infância, e tantos outros. Quanto aos urubus, foi inevitável que pousassem no que escrevo. Durante uma década, dividi com vários deles o meu terraço na Boca Maldita. Ótimos convivas.

DETETIVE À DERIVA
Autor: Luís Henrique Pellanda
Editora: Arquipélago (224 págs., R$ 39,90)
Lançamento: 4ª (5), na Blooks (Shopping Frei Caneca, 19h)


As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: Estadão Conteúdo
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