29/07/2022 08h10
De volta ao palco e à tela, Marieta revê os desafios da arte e da convivência
Nas entrevistas promovendo o lançamento de A Suspeita, que lhe valeu o Kikito de melhor atriz no Festival de Gramado do ano passado, Glória Pires exibiu, toda feliz, a cabeleira grisalha. Estava se sentindo muito bem, mas admitiu que havia enfrentado resistência em casa. Marieta Severo é outra que está com a cabeleira toda branca. "É uma conquista, estou assumindo a idade, os meus cabelos brancos. O feminismo também é isso", reflete.
Marieta, de 75 anos, conversa com a reportagem do Estadão no Reserva Cultural, durante a sessão para convidados de Aos Nossos Filhos, o longa de Maria de Medeiros baseado na peça de Laura Castro e que está em cartaz. O repórter observa - cabelos brancos, mas muito bem cuidados. Não dá trabalho? "Isso é observação de homem. Claro que cuido, mas não tem comparação com a pintura a cada 15 dias. Qualquer mulher vai entender que se trata de uma libertação."
MARIETA E MARIA
Em 2013, quando convidada para fazer a peça, Marieta estava com a agenda lotada. Teve de declinar. Maria de Medeiros assumiu o papel. Na TV, Marieta fez a minissérie Verdades Secretas. Quando houve a sequência, de novo teve de declinar. Indicou Maria para o papel.
"Tenho-a seguido, ando na cola dela", brinca a atriz portuguesa, que desde os 18 anos vive em Paris. Maria, que também é diretora, começou a vislumbrar um filme da peça. No palco, eram duas atrizes, apenas. O filme ganhou mais gente. "Figuras apenas citadas no diálogo agora estão na tela. E a cidade - queria muito filmar o Rio, como eu o vejo." E Maria acrescenta: "Ao mesmo tempo, pude devolver o papel para Marieta. Dessa vez ela aceitou, e foi uma felicidade para todos nós."
Vera é uma ex-guerrilheira. Foi torturada durante a ditadura militar. Uma mulher progressista, mas que, em certas questões, pode muito bem ser conservadora, até reacionária. "A contradição torna a personagem mais real", Marieta diz. Vera dirige uma ONG que cuida de crianças soropositivas. A questão da adoção é premente. Tânia, a filha de Vera, é casada com outra mulher. Quer ter um filho, mas não pensa em adoção. Tentam a inseminação artificial, que está sendo complicada.
MACHISMO ENRAIZADO
Mãe e filha se desentendem, Tânia e a parceira também brigam. O que vai ser dessa gente toda? "Pertenço a uma geração que lutou para mudar a condição da mulher na sociedade. Avançamos muito, mas o machismo ainda está enraizado na cabeça de vários homens. Olha os feminicÃdios, que não param de ocorrer", alerta Marieta. Em seguida, lembra: "Minha mãe era uma mulher inteligente, culta, poderia ter tido uma carreira, mas se casou e passou a viver para a famÃlia. Lembro do meu pai - 'LÃgia, eu estou falando'. E ela se calava". Você também se calava? "Eu não, sempre fui a rebelde. Minha filha SÃlvia diz que hoje a geração dela está se beneficiando das lutas da minha geração."
MATRIARCA
Marieta interrompe a entrevista duas ou três vezes para trocar mensagens com o neto. É uma matriarca nata - a Nenê de A Grande FamÃlia tinha muito dela. "Gosto de estar cercada pela famÃlia. É sempre uma força." No começo da pandemia, ela foi com parte dessa famÃlia para uma casa na serra. "Não sabia, mas estava dando adeus a uma fase da minha vida." Marieta tem há muito tempo uma relação com o ator e diretor de teatro Aderbal Freire-Filho. Sempre viveram em casas separadas, mas Aderbal teve um AVC e Marieta o acolheu, montando uma estrutura para atendê-lo em casa.
Marieta está de volta ao teatro, à s telas. Cofundadora, com Andréa Beltrão, do Teatro Poeira, em Botafogo, no Rio, as duas comemoraram em janeiro os 15 anos da casa com dois anos de atraso - por causa da pandemia - com uma exposição interativa. "Bia Lessa fez um trabalho belÃssimo", conta. O Poeira tem lotado com a peça de reabertura, O Espectador, baseada na obra do romeno Matei Visniec e interpretada por quatro mulheres poderosas. Além de Marieta e Andréa, também Renata Sorrah e Ana Baird. Novela à vista? "Há alguma coisa a caminho, mas a Globo é que vai anunciar." O contrato está terminando, mas ela tem uma relação amistosa com a emissora: "Nunca fiz nada que não quisesse".
O público ainda se lembra da Noca de Um Lugar ao Sol. Na novela de LÃcia Manso, Marieta enfrentava o preconceito contra a idade, a falta de oportunidade. Tinha uma frase sábia: "Sempre dá para ir adiante, mesmo quando parece que não". Uma lição de vida.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo