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19/07/2020 08h30

Diário de uma pandemia

O escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, que também se dedicou às ciências naturais, dizia: "Escrever a história é um modo de nos livrarmos do passado". E, para muitas pessoas, a escrita pode ser mesmo terapêutica.

É assim que se sente Giuseppe Frateschi, de 24 anos. "Escrever pode ser libertador de várias formas. No meu caso, comecei a escrever meus diários em 2013, quando tinha 17 anos, e, de início, não era sincero comigo mesmo algo que apenas o tempo e a leitura destes mesmos diários revelou. É curioso, mas a falta de sinceridade só ficou evidente quando reli o que tinha colocado no papel e percebi que não condizia com a realiDrespeito, pude escrever sobre meus sentimentos de maneira mais honesta. Aliás, escrever um diário não se trata apenas de falar sobre sentimentos, mas sobre desenvolver pensamentos que, apesar de parecerem aleatórios, registram um pouco de nossas reflexões e opiniões sobre cultura, ética e visão de mundo. Hoje tenho 24 anos e fazer um retrospecto sobre tudo o que escrevi no passado me ajuda muito", declara.

Quando sentimos alguma emoção, mas não conseguimos dar nome a ela, nos sentimos angustiados ou ansiosos. Nomear sentimentos é importante para nos ajudar a diminuir o sofrimento. A fala e a escrita podem ser bons mecanismos.

"Ao escrever, sem censura e sem preocupação com as normas gramaticais ou ortográficas, damos vazão aos nossos pensamentos, impressões, preconceitos, valores, medos, que muitas vezes nem nós mesmos conhecíamos, sem a preocupação de sermos julgados. Esse movimento nos ajuda a organizar nosso mundo interno. É por meio da escrita que melhor conversamos conosco mesmos. Ao escrever, registramos as ideias e, dessa forma, as externalizamos de uma forma concreta, quase palpável", analisa a neuropsicóloga Gisele Calia.

O Museu da Língua Portuguesa lançou na segunda-feira, 13, o projeto virtual A Palavra no Agora. O objetivo é ajudar as pessoas a lidar com sentimentos decorrentes da pandemia a partir de exercícios de escrita. Disponível gratuitamente online (noagora.museu dalinguaportuguesa.org.br), o site propõe que os internautas escrevam sobre suas vidas antes da quarentena e a respeito dos próprios sentimentos atuais. O trabalho é realizado com o apoio das professoras Maria Helena Franco, do Laboratório de Estudos do Luto - LeLu, da PUC-SP, Ivânia Jann Lun, do Laboratório de Processos Psicossociais e Clínicos no Luto - LAPPSIlu, da Universidade Federal de Santa Catarina, Fabio de Paula, da Faculdade Cásper Líbero, Mariana Valente, da InternetLab, e da psicóloga Fabíola Mancilha Junqueira, arteterapeuta.

O programa surgiu da constatação dos múltiplos prejuízos causados pelo coronavírus: isolamento social e os traumas relacionados à perda de pessoas queridas, além da impossibilidade de realização dos rituais tradicionais de luto. "Vivemos um momento de perdas físicas e simbólicas. A incerteza, a morte, o adiamento de planos, a doença, o isolamento, a crise econômica, a distância - tudo isso tem um impacto enorme na vida de todos os brasileiros. Na ausência do acolhimento físico, do contato, o que nos une hoje são as palavras - ditas e escritas", explica Marília Bonas, diretora técnica do IDBrasil, organização social de cultura que gerencia o Museu da Língua Portuguesa.

E foi justamente em um momento de luto, com a morte da mãe há dez anos, que Giuseppe Frateschi começou a colocar suas emoções no papel. "Na época, vivia coisas muito conflitantes, carregava o luto por minha mãe, falecida em 2009, vítima de câncer, me sentia sozinho e sem condições de falar sobre a minha vida amorosa. Poucas vezes me senti bem para falar abertamente sobre o assunto. É estranho dizer, mas no início só conseguia falar sobre esses e outros assuntos comigo mesmo, por meio das páginas de meus diários. Aos poucos, fui mostrando certas páginas a alguns amigos, e assim, derrubei barreiras e derrotei medos", afirma.

A neuropsicóloga Gisele Calia ressalta que escrever é um dos atos mais complexos para o cérebro, mas registrar os próprios sentimentos em palavras é ainda mais desafiador, na medida em que a pessoa precisa identificar, simbolizar, significar, rejeitar, aceitar e transformar um pensamento.

"Diferentemente de simplesmente copiar uma palavra qualquer, exprimir nossos sentimentos por meio da palavra escrita exige o uso do córtex frontal, nossa parte do cérebro responsável pelo pensamento abstrato. Aí reside a beleza e a magia de escrever sobre os sentimentos: colocamos em uma forma concreta - a palavra escrita - a parcela mais abstrata de nosso ser, o sentimento", conclui.

Depois de perceber os benefícios de escrever um diário, Giuseppe começou a recomendar aos amigos que escrevam sobre o que sentem. "Contudo, acho importante recomendar para quem escreve ou deseja iniciar um diário que não permita que outras pessoas decidam o que deve escrever ou não. Para mim, escrever é um processo natural e o ponto de partida pode ser qualquer coisa: um pensamento, um sentimento bom ou mau e até uma lembrança", diz.


As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: Estadão Conteúdo
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