06/04/2019 07h30
Documentário revê trajetória do último líder da antiga União Soviética
Apesar da saúde debilitada, Mikhail Gorbachev pediu um último encontro com Werner Herzog, em abril do ano passado, antes que o cineasta alemão finalizasse o documentário sobre sua vida. "Ele chegou de ambulância, vindo diretamente do hospital. O curativo em sua mão esquerda mostra o local onde estava o cateter", conta Herzog, diretor de Encontrando Gorbachev, em parceria com o inglês Andre Singer.
O esforço do último lÃder da União Soviética foi um sinal da necessidade de Gorbachev, atualmente com 88 anos, de passar a sua história a limpo. É justamente isso que a dupla de cineastas encoraja o ex-governante a fazer ao longo de 92 minutos de filme, uma das atrações deste sábado, 6, na 24ª edição do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários, em São Paulo.
"Na Rússia, as pessoas ainda dizem que foi Gorbachev quem destruiu a URSS. Ironicamente, ele nunca quis isso. Além de alguns lÃderes de outras repúblicas, quem mais queria a dissolução era Boris Yeltsin", diz Singer, referindo-se ao então presidente da Rússia. "Infelizmente, nunca saberemos o que poderia ter acontecido, se Gorbachev tivesse conseguido manter a aliança", completa o diretor.
Quem aparece no filme, conversando com o ex-estadista, é Herzog, que não esconde a sua admiração por Gorbachev, tanto nas questões que levanta como na narração que faz, para amarrar o documentário. A um dado momento, o diretor pergunta como o entrevistado se sente quando recorda o fim da URSS, declarado em 26 de dezembro de 1991, no dia seguinte à renúncia de Gorbachev.
"Eu lamento isso até hoje. É um conflito interno", confessa o ex-lÃder, que aparentemente renunciou por não ver outra saÃda. Na época, um golpe militar malsucedido, arquitetado pela ala conservadora, abriu as portas para o grupo de liberais liderado por Yeltsin, o que acelerou a declaração de independência de paÃses como Letônia, Estônia e Lituânia. O próprio Gorbachev conta que, quando lhe perguntam por que ele não impediu que isso acontecesse, ele responde que "era como bater a cabeça contra uma parede de tijolos".
"Em vez de dissolver a União, deverÃamos ter dado à s repúblicas mais direitos", afirma Gorbachev, lembrando que isso não foi possÃvel por haver "pessoas apressadas e imprudentes", como Yeltsin, pelo caminho. "Elas queriam tomar o poder e tinham planos próprios. Eu provavelmente deveria ter agido diferentemente como Yeltsin, enviando-o a algum lugar", comenta ele.
Para Herzog, parte da "deturpação" da imagem de Gorbachev é culpa da mÃdia. "Quando Vladimir Putin (o atual presidente da Rússia) chamou o colapso da União Soviética de a maior tragédia geopolÃtica do século 20, os veÃculos de comunicação, sobretudo no Ocidente, logo concluÃram que ele queria o império de volta." Ninguém deu atenção, segundo o cineasta, à segunda parte da sua declaração, em que Putin explica por que foi um desastre. "Porque mais de 10 milhões de russos se encontraram, da noite para o dia, fora de seu paÃs", relembra Herzog.
Toda a trajetória de Gorbachev é revisitada com as memórias do próprio, além de trechos de imagens de arquivo e testemunhos de figuras-chave. Entre elas o ex-primeiro-ministro da Hungria Miklós Németh e Horst Teltschik, ex-conselheiro de segurança nacional para Helmut Kohl, ex-chanceler da Alemanha.
Com reapresentação em São Paulo no dia 10 e exibição no Rio de Janeiro no dia 13, o documentário também resgata a infância de Gorbachev, o casamento com RaÃssa, sua visão polÃtica e seus principais feitos. O próprio Gorbachev tem a chance de apontar o que deixou de significativo em seu legado.
"A Perestroika (a polÃtica de reestruturação que permitiu a abertura econômica na União Soviética) pôs um ponto final à Guerra Fria", conta, acrescentando que ele também começou o processo de desarmamento e fez progresso no sentido de implementar uma democracia. Mas, como Gorbachev mesmo diz, não foi possÃvel terminar o seu trabalho, já que "certas forças assumiram o poder.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo