13/04/2015 09h20
Escritores debatem literatura com bom humor na Mantiqueira
No meio de uma praça e ao lado de um outro cavalo, a simpática São Francisco Xavier, na Serra da Mantiqueira, a 150 km de São Paulo, recebeu neste fim de semana diversos escritores brasileiros para discutir a atual produção literária do PaÃs - tudo sob a curadoria de Luiz Ruffato, no 8ª Festival da Mantiqueira de Literatura. O tema proposto, a diversidade, foi cumprido com humor, discussões polÃticas e estéticas e boas participações.
A mesa mais concorrida foi a que reuniu Marçal Aquino, Sidney Rocha e Tércia Montenegro, sob a mediação do crÃtico literário João Cezar de Castro Rocha. O auditório da Praça Cônego Antônio Manzi encheu para ouvir as considerações sobre o conto - e certamente não se decepcionou com o bom humor contagiante de Rocha, as considerações de Aquino sobre a produção literária e sua relação com o cinema e as pinceladas precisas de Tércia - contista cearense prestes a lançar um romance, Turismo para Cegos, pela Companhia das Letras.
"Ao contrário de Edir Macedo (autor de 'Nada a Perder'), tenho muito a perder, por isso levo sempre em conta a emoção do leitor", afirmou Rocha, autor de Sofia e Matriuska. "Quando me perguntam a que movimento pertenço, digo que sou dos movimentos peristálticos", brincou, em um dos não poucos momentos em que arrancou gargalhadas da plateia.
Tércia Montenegro, que também é doutora em LinguÃstica e tem um pé nas artes plásticas, fez comentários preciosos sobre a relação da literatura com os outros gêneros artÃsticos. "Para mim, a literatura é um tipo de arte visual", disse, "preciso ver alguma ligação com as artes plásticas, e em certo momento pensei em levar isso para a temática" - O Tempo em Estado Sólido, reunião de contos finalista do Jabuti e do Portugal Telecom, parte da ideia, segundo a escritora, de que cada obra solidifica um perÃodo da vida, ou seja, se transforma uma tentativa de romper com o efêmero.
Outra mesa reuniu Simone Campos, Paulo Scott e Raimundo Carrero, três gerações de romancistas que usaram muito de polÃtica para discutir os rumos do romance contemporâneo, também sob a mediação de Castro Rocha. "A literatura não é antropologia", pregou Carrero, "na literatura não se diz, se esconde, apenas se sugere", comentou. "Eu descobri o corpo só depois que perdi o meu", falou, sobre um recente AVC.
A questão polÃtica e religiosa, na verdade, ditou os rumos do debate. "Minha geração não salvou o PaÃs", comentou Scott, autor de O Habitante Irreal, que toca com força na questão polÃtica contemporânea, e mais recentemente, Ithaca Road, entre outros livros de diferentes gêneros. "O fundamentalismo evangélico brasileiro é horrÃvel", atestou Carrero, ele mesmo cristão convicto cuja espiritualidade é tema constante de sua obra. "Não sou puritano, nem fundamentalista: meu corpo é a minha metáfora", concluiu.
A mesa sobre poesia, que reuniu Iacyr Antonio Freitas, Nicolas Behr e Heitor Ferraz Mello, com mediação de Christhiano Aguiar, misturou melancolia com leituras de poemas para fazer um diagnóstico realista do cenário do gênero lÃrico brasileiro atualmente. Questionados pelo mediador se eles se sentiam lidos, a resposta foi "não".
Mato-grossense radicado em BrasÃlia, Behr brincou que a cidade precisa dele. "É a cidade mais racional do mundo feita no PaÃs do jeitinho, das contradições" - a relação com o urbano também foi comentada por Mello, francês de nascimento que cresceu em São José dos Campos. "São Paulo é uma das cidades mais feias do mundo."
A contÃnua relevância da crônica também foi discutida - Cidinha da Silva, FabrÃcio Carpinejar e LuÃs Henrique Pellanda, com mediação de Castro Rocha, se reuniram no domingo, 12. "O cronista tem que aprender a estar no mesmo degrau do leitor", comparou Carpinejar, "é preciso uma lição de desimportância" - disse, logo depois de brincar com o número do sapato do mediador (43). "Quando escrevo crônicas", comentou Pellanda, "não quero que o leitor se identifique comigo, mas com o personagem que muitas vezes ele ignora nas ruas".
Boa parte do público subiu a Mantiqueira para estar no Festival - que, na oitava edição, estimula comparações espontâneas com a Flip. "Gosto muito de ir a Paraty, e neste ano decidi conhecer aqui", contou a professora universitária Izolda Cremonine, 72. A jornalista Paula Ribas, 40, e a produtora de cinema Camila de Oliveira, 32, também compararam o evento com a Flip. "É muito legal o trabalho de levar a literatura a cidades pequenas", comentou Paula, ela própria buscando seu caminho nas letras.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo