26/02/2023 08h10
Espetáculo traz memórias de uma Paris do imaginário coletivo
Entre 1968 e 1974, o diretor Jorge Takla morou em Paris e, para ele, esse perÃodo representou a consolidação de sua formação intelectual. Por lá, o jovem libanês, bilÃngue em árabe e francês desde a infância, estudou arquitetura e frequentou o Conservatório Nacional de Arte Dramática antes de passar uma temporada em Nova York e fixar residência em São Paulo, em 1977. Takla, por décadas a fio, imaginou um espetáculo inspirado nessa bagagem europeia, algo que traduzisse sua visão de uma efervescência que ronda o imaginário coletivo. Foi deixando para depois, o tempo passando e nada, até que veio a provocação do coreógrafo Anselmo Zolla.
O diretor artÃstico da Studio 3 Cia. de Dança chamou o encenador para iniciar um processo em setembro do ano passado. Os dois se conhecem desde 2008, e Zolla, inclusive, coreografou o musical Jesus Cristo Superstar e as óperas Rigoletto e Sonho de uma Noite de Verão, dirigidos por Takla. A proposta era os dois se trancarem em uma sala de ensaios por cinco meses junto aos bailarinos da Studio 3 e, com base em pesquisas, levantar do zero uma montagem sem um assunto determinado. Takla, ainda abalado pelo jejum artÃstico forçado pela pandemia, se jogou no processo com o entusiasmo de quem vasculha as próprias memórias e, inspirado, reencontrou a valorização da própria trajetória. "A Paris da minha juventude ainda era próxima dessa história porque alguns personagens continuavam lá vivos e produzindo."
O resultado não podia ganhar outro tÃtulo. O espetáculo de teatro-dança Paris, encenação de Takla coreografada por Zolla, estreia nesta segunda, 27, à s 20h, em apresentação única no Teatro Municipal. Em março, outras seis datas estão agendadas no Auditório do Masp, a partir da segunda semana. Treze bailarinos - sete mulheres e seis homens - evocam celebridades que viveram na capital francesa nos anos de 1920, entre eles o pintor Pablo Picasso, a cantora Josephine Baker, a atriz Marlene Dietrich, os compositores Cole Porter e Igor Stravinski e os dançarinos Vaslav Nijinsky e Isadora Duncan.
CHANEL. Dois outros personagens, no entanto, conduzem a dramaturgia e se transformam no eixo por onde todos orbitam para mostrar relações criativas e Ãntimas: a estilista Gabrielle Chanel e o poeta e bailarino Boris Kochno (representados respectivamente por Vera Lafer e André Neri). "São artistas que fizeram cultura em um perÃodo de adversidades polÃticas, todos caÃam ou, melhor, despencavam para se levantarem mais fortes ainda", justifica o diretor. "Enxerguei uma relação direta com esse momento recente do Brasil em que aqueles que fazem arte viraram alvo de preconceito e lutaram contra uma crise sanitária e uma guerra camuflada."
FONTES. Segundo Takla, as patrulhas já começaram e ele chegou a ser acusado nas redes sociais de criar uma montagem colonizadora e voltada aos interesses do público branco. Zolla ouviu de colegas mais radicais que Paris propõe uma discussão desconectada dos nossos tempos e da cultura brasileira. O coreógrafo trata de responder que esses mesmos crÃticos não assumem que beberam em fontes semelhantes e que a recriação de temas é tão importante quanto a busca por pautas inéditas desde que tragam diferentes leituras. "Os artistas que pontuamos são universais e precisam ser conhecidos por todos até porque muitos só ouviram falar de Chanel por causa da bolsa, não é?", ironiza o coreógrafo.
Zolla rejeita qualquer compromisso com o realismo e não se deve esperar que os personagens sejam reproduzidos no palco com semelhanças fÃsicas ou trejeitos óbvios. "Jamais teria a pretensão de encontrar uma nova Josephine Baker ou uma Marlene Dietrich andando por São Paulo", avisa. "O que importa é como essas pessoas brilhantes foram traduzidas por uma companhia que não deseja só mostrar juventude e movimentos pulsantes, mas principalmente a expressão perfeita de cada bailarino", completa.
Paris
Teatro Municipal.
Pça. Ramos de Azevedo, s/nº.
2ª (27), às 20h.
R$ 12 / R$ 32.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo