26/04/2018 07h10
'Ex-Pajé', que estreia nesta quinta, fala de índio alijado de sua cultura
Na abertura do Festival Melhores Filmes do CineSesc, Luiz Bolognesi subiu ao palco para receber o prêmio da crÃtica que sua ex-mulher, LaÃs Bodanzky, recebeu por Como Nossos Pais - e ele tem uma coautoria de roteiro. No fim de semana, teria sido a vez de o próprio Bolognesi comemorar outro prêmio da crÃtica - o de melhor filme no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, que ele próprio recebeu, por Ex-Pajé. "Me falaram sobre a cerimônia de premiação no Itaú Cultural, mas não insistiram que fosse. Estava num debate sobre o Ex-Pajé, e o público foi muito receptivo. Fui ficando, ficando. Quando soube que havia ganho o prêmio da crÃtica me deu uma dor de não ter estado lá. Afinal, o prêmio da crÃtica é sempre um xodó para quem cria", admite o diretor.
Ex-Pajé estreia nesta quinta-feira, 26, e também hoje vai encerrar, em BrasÃlia, um já tradicional acampamento de Ãndios que se realiza todo mês de abril. "O acampamento reúne lideranças, vão ser milhares de Ãndios, e eles estão planejando uma coisa bonita. Depois da projeção, vai haver uma pajelança, uma sessão de cantos indÃgenas que vai ter tudo a ver com o ato de resistência do próprio filme." Além dos roteiros que escreveu para a ex-mulher, Bolognesi tem sua obra autoral, e ela tem privilegiado a questão indÃgena. Ex-Pajé já o levou ao Festival de Berlim, em fevereiro, e o filme encantou tanto o júri que ele recebeu uma menção. Veio depois a seleção para o É Tudo Verdade, e nova premiação. Bolognesi anda feliz da vida.
"Tanto em Berlim como aqui, em São Paulo e no Rio, o filme passou para plateias lotadas. Os debates, depois, foram sempre acalorados. Na Alemanha, eu sentia uma plateia mais indignada. No Brasil, as reações têm sido mais emocionadas." Documentário, filme de Ãndio, nada predispõe a esperar, para Ex-Pajé, um grande sucesso de público. "A razão me diz para pisar no freio, mas, ao mesmo tempo, tenho sentido tanto carinho pelo temas, pelo personagem, que o coração está apertado. Gostaria que as pessoas vissem Ex-Pajé, que refletissem, porque é a nossa história, a nossa identidade", ele avalia. Ex-Pajé começou a nascer numa pesquisa que Bolognesi fez com os Ãndios Paiter SuruÃ, de Roraima. "Eu estava pesquisando sobre a utilização, pelos jovens, de novas ferramentas (e tecnologias) para denunciar o que está ocorrendo com suas etnias."
E ele conta - "Até 1969, os Paiter Suruà não tinham contato com os brancos. E, então, em menos de 50 anos, tudo ocorreu rapidamente. O avanço dos evangélicos, das madeireiras, do agronegócio. Antes, os Ãndios usavam arco e flecha para proteção e defesa. Agora, usam a internet, postando coisas, imagens. Dizem que os Ãndios são atrasados, mas as ferramentas são modernas." Paralelamente a essa pesquisa, Bolognesi iniciou outra, sobre a pajelança.
"Perguntava aos Ãndios sobre o seu pajé, e eles respondiam que não tinham. Ele era um ex-pajé." Como assim? "Foi uma consequência do avanço da igreja evangélica sobre a aldeia dos Paiter SuruÃ. A primeira coisa que esses novos evangelizadores fizeram foi demonizar a cultura indÃgena. Sempre houve uma cultura, um poder dos pajés, que se comunicavam com os espÃritos da floresta. Perpera, nosso protagonista, foi forçado a abrir mão da sua ligação com a floresta, transformada em coisa do Diabo."
Perpera não fala português, Bolognesi não fala a lÃngua dos Ãndios, mas ele ficou fascinado. "Nos comunicamos por sinais, por mÃmica. E eu fui descobrindo esse homem desterrado na sua tribo. Perpera hoje tem de dormir com luz acesa porque os espÃritos das floresta estão bravos com ele, cobram-lhe haver abandonado a tradição das flautas." Esse homem dividido - esse estrangeiro - tornou-se um enigma que Bolognesi houve por bem tentar decifrar com sua ferramenta de cineasta, a câmera. "Fiquei absolutamente fascinado quando vi o Perpera com seu terno de homem branco, muito maior que ele. Acompanhei-o na igreja, e vi como ele não participa do culto. Perpera limpa a igreja, acolhe os fiéis, mas permanece na porta, de costas para o que ocorre lá dentro, voltado para a floresta." Essa imagem fortÃssima - que parece filmada por um diretor de ficção, um ato de mise-en-scène - adquire uma dimensão metafórica sobre essa inclusão forçada que, na verdade, exclui nossos Ãndios do próprio mundo em que vivem.
"Em Berlim, já me havia perguntando se as cenas da igreja eram dirigidas. Nãããooo. A mesma coisa para a cena em que a câmera acompanha o Perpera de terno pela floresta, quando ele vai para a igreja. Achei a cena tão surreal que pedi para filmá-lo. Terminaram virando imagens emblemáticas, conceituais, que sintetizam o tema de Ex-Pajé", reflete o diretor.
Nos debates sobre o filme, Bolognesi tem deixado claro que, por mais particular que pareça a experiência, a história de Perpera, ela lhe interessou pelo que, no fundo, é a sua universalidade. No centro de Ex-Pajé está a questão visceral do etnocÃdio - o Ãndio brasileiro, mais que nunca, está ameaçado. Bolognesi pega carona na frase de Pierre Clastres que escolheu para abrir o filme. "O etnocÃdio não é a destruição fÃsica dos homens, mas do seu modo de vida e pensamento", exatamente como está sendo feito com Perpera (e os Paiter SuruÃ). Não é só ele, o ex (sempre) pajé que resiste. O filme prescinde das entrevistas tradicionais, mostra os Ãndios inseridos nas redes sociais e também com outros recursos que apontam para a sua modernidade. Bolognesi reconhece que está trabalhando nas bordas - documentário, ficção. Seu compromisso, mais até que desejo, é humanizar o olhar do espectador para o Ãndio, de forma a permitir a integração desse último.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo