12/11/2015 10h36
Filme 'Os Maias' usa o artifício para ser mais verdadeiro
É a nova invasão portuguesa do Brasil. Cinco séculos após o Descobrimento, a força-tarefa instala-se nos cinemas. Deve ser mera coincidência, mas, considerando-se que ambos os filmes têm o mesmo perfil 'de arte', pode até ser intencional. Com As Mil e Uma Noites - Volume 1: O Inquieto, de Miguel Gomes, estreia também Os Maias - Cenas da Vida Romântica, de João Botelho. A trilogia inspirada nos contos de Sherazade foi destaque na Mostra deste ano. O longa baseado no romance de Eça de Queirós, no ano passado. Lançado na sequência em, Portugal, Os Maias foi a maior bilheteria de 2014 no paÃs - 150 mil espectadores. "O número pode parecer pequeno para vocês, mas é imenso para a realidade do cinema português", diz o diretor Botelho. Ele está no Brasil - no Rio - para o lançamento. Conversou com a reportagem.
Além do sucesso de público e crÃtica, Botelho comemora mais uma coisa: "Os Maias levou o público adulto de volta à s salas. Hoje em dia, só os jovens vão ao cinema. Meu filme provocou esse fenômeno estranho. Os mais jovens, como que atraÃdos pela memória dos tempos, foram conferir o tratamento dado a uma das obras-primas da lÃngua". Botelho não deixa por menos. Alguém o contestará, invocando Os LusÃadas, de Camões, como o monumento das letras de Portugal. Ele discorda - "Eça é o segundo maior escritor da lÃngua portuguesa. O primeiro é o vosso Machado de Assis". Eram amigos e ciumentos. Rivais. Cada um ciente do seu gênio.
Antes de Os Maias do diretor português, houve a versão brasileira de Luiz Fernando Carvalho, na TV Globo, mas Botelho não consegue ser muito efusivo. "É muito cuidada, muito bonita, mas, para mim, tem um handicap. A linguagem televisiva empobrece. Todos aqueles planos próximos, a câmera sempre grudada na cara dos atores." Ao se decidir por Os Maias, depois de Filme do Desassossego, dedicado a Fernando Pessoa, Botelho decidiu que o desafio não seria só contar, condensar a história, mas como fazê-lo. Optou pelo artifÃcio, como na ópera. "Nada de naturalismo. Não existe mentira maior que na ópera. Cenários pintados, sopranos gordas de mais de 100 quilos, mas quando elas cantam você é transportado a um outro mundo e tudo fica maravilhoso", ele resume.
Os Maias nasceu dessa artificialidade buscada e intencional. "O romance é duro, sarcástico, violento. A história é de incesto, mas o tema já é a derrocada da sociedade portuguesa. Há cem anos, Eça já fazia um banqueiro perguntar-se: 'para que serve o governo?' Para roubar e contrair dÃvidas. Cem anos depois, a situação não mudou e, se mudou, foi para pior." O incesto, tabu em todas as sociedades, é tratado de forma provocativa. "Para a moral vigente, o natural seria Carlos se estourar os miolos com um tiro. Maria Eduarda casa-se, ele vai passear seu tédio pelo mundo. Nenhuma culpa. A vida segue." Ele tentou levar a provocação adiante. Em vez de uma Maria Eduarda sexy, escolheu Maria Flor. "Se fosse um mulherão, seria, talvez, inevitável. O fato de ela ser essa coisinha delicada, menos fatal, potencializa a transgressão."
A atriz, o engenheiro de som - Jorge Saldanha - são brasileiros. "Jorge trabalhou com os maiores de vocês. Nelson Pereira, Glauber (Rocha)." Cinema, para ele, é luz, sombra e seres humanos aflitos. Botelho admite sua dÃvida com o Cinema Novo. "Os 110 planos de Antônio das Mortes (O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro) me marcaram a ferro e fogo." O próximo filme será um documentário sobre Manoel de Oliveira. E, ah, sim, ele gostou de As Mil e Uma Noites, especialmente do Volume 2. Diz que ama o cinema português, tão bom, e justifica: "Não sofremos pressão do mercado."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo