20/12/2017 07h10
Há 100 anos, crítica de Monteiro Lobato acuava Anita Malfatti
Há exatamente 100 anos, no dia 20 de dezembro de 1917, o escritor Monteiro Lobato (1882-1948) escreveu no jornal O Estado de S. Paulo uma crÃtica demolidora da exposição que a pintora modernista Anita Malfatti (1889-1964) realizava num grande salão da rua LÃbero Badaró, 111, no centro de São Paulo. A primeira consequência dessa hostilidade foi sentida no bolso: cinco das oito telas compradas foram devolvidas. "Com o correr das semanas, havia tal ódio geral que um amigo de casa ameaçou meus quadros com a bengala, desejando destruÃ-los", contaria Anita nos anos 1950. Qual seria a razão de tantas reações negativas, tanto de Lobato quanto dos compradores das telas e dos amigos?
De modo sucinto, uma única palavra serve ao propósito de explicar essas reações: incompreensão. Ontem, assim como hoje, a arte moderna desperta suspeitas. Lobato, embora reconheça em sua crÃtica o "talento vigoroso" e "fora do comum" de Anita, diz que sua "arte anormal" nasce com a "paranoia e com a mistificação" (palavras que não constam do tÃtulo do texto publicado no jornal, mas em sua republicação, em 1919, na coletânea Ideias de Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, reunião de 35 artigos publicados na imprensa paulista).
Com efeito, só um provinciano nacionalista usaria essas duas palavras combinadas - paranoia e mistificação - para se referir a um tipo de arte que vinha sendo praticada na Europa e na América antes de Anita Malfatti decidir voltar ao Brasil, em 1916, após longa temporada estudando na Alemanha e EUA. Mas seria exagero atribuir a Lobato o poder de alterar a rota da carreira da pintora, que, aliás, cinco anos depois da exposição, participaria na Semana de Arte Moderna de 1922, divisor de águas na história da arte brasileira.
O crÃtico Tadeu Chiarelli, que escreveu sobre Lobato em Um Jeca nos Vernissages (Edusp, 1995), trata a questão de outra maneira, analisando a disputa entre conservadores e modernistas com isenção. Não foi o crÃtico o causador da mudança de planos de Anita Malfatti, que teria recuado, mas não abjurado, sua arte expressionista diante da pregação antivanguardista na provÃncia de São Paulo. Chiarelli afirma que Anita estava atenta ao debate nacionalista em voga na São Paulo de 1917, e que essa pauta teria sensibilizado a artista. Além de tudo, conclui o ensaio de Chiarelli, a pintora queria participar dele.
Assim como seus colegas pintores americanos (que estavam ao seu lado na exposição de 1917) tornaram-se pintores da "cena americana", como observou a biógrafa da artista, Marta Rosetti Batista, Anita, num primeiro momento, sentiu-se atraÃda pela ideia de trocar as pesquisas ligadas à vanguarda europeia e americana por uma visão mais realista (ou naturalista) do seu paÃs. Lobato foi apenas o estopim.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo