05/11/2016 08h30
'Indignação' põe a vida toda num vaso de flores
Para o público que está amando O Mestre dos Gênios - e o filme de Michael Grandage sobre a ligação do editor Max Perkins com o escritor Thomas Wolfe é muito bom -, há uma notÃcia excelente. Estreou na quinta, 3, um filme melhor ainda, e que estreita os laços entre literatura e cinema. Indignação, de James Schamus, baseia-se no romance homônimo de Philip Roth, publicado no Brasil pela Cia. das Letras. Schamus é uma lenda. Cofundador das empresas The Good Machine e Focus, produziu 12 (!) filmes de Ang Lee, incluindo O Tigre e o Dragão e O Segredo de Brokeback Mountain, e ainda financiou obras de Claire Denis e Raoul Ruiz. Isso lhe valeu o tÃtulo de Darryl Zanuck dos independentes, e por isso mesmo ninguém se surpreendeu quando ele ganhou o The Darryl Zanuck Award por seu 'distinguished' trabalho de produção e distribuição de filmes indies para as salas de cinema.
Schamus dirige, e muito bem. A surpresa é ver seu nome associado ao do produtor brasileiro Rodrigo Teixeira, que, por meio da RT, carrega o projeto. São dez anos da RT Produções, mas esse é outro assunto. Schamus veio ao Brasil, ao Festival do Rio, para o lançamento de Indignação. O diretor encontrou-se com o repórter para falar sobre sua adaptação. Por que Roth? "Antes de mais nada, por causa do tÃtulo. Indignação tem a ver com ira, revolta, mas a raiz da palavra remete a 'dignidade'. O que avilta a dignidade humana deveria nos provocar indignação, mas não é isso que vem acontecendo no mundo."
E o diretor prossegue - "Há um livro, na verdade um panfleto, que deveria ser a BÃblia de toda pessoa bem pensante. Indignez-Vous, Indignem-se!, de Stéphane Hessel. É um dos autores da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Batalhou pela dignidade humana." E o que isso tem a ver Philip Roth, com Indignação? "O filme, como o livro, passa-se na Guerra da Coreia, que, na América, é chamada de guerra esquecida e nunca foi oficialmente reconhecida como guerra pelo Congresso (dos EUA). Mesmo assim, foi um morticÃnio." O filme é sobre esse garoto, Marcus, que vem de uma famÃlia judia de classe média. O pai é açougueiro kosher. Marcus será o primeiro dos seus a ingressar na universidade e a famÃlia deposita nele grande expectativa. Marcus consegue uma bolsa, que aceita para fugir da famÃlia, mais que da guerra.
O problema de Marcus, e vira um problema, é que ele tem o péssimo hábito de pensar por si mesmo num mundo cada vez mais massificado. "As coisas não mudaram tanto assim, e se mudaram foi para pior, não?", provoca Schamus. Marcus tem intensas discussões com o 'dean' (reitor) Caldwell, que não aceita, por exemplo, a resistência do garoto a participar do culto. São extensas discussões sobre ateÃsmo - Aldous Huxley é a referência de Marcus -, muito bem filmadas, mas esse não é seu único problema. O inexperiente garoto envolve-se com Olivia e, logo no primeiro encontro, ela faz sexo oral com ele, coisa impossÃvel para uma jovem de boa famÃlia no começo dos anos 1950.
E aà o filme se encaminha para outra grande cena - "A mais triste do filme, a mais triste que filmei ou vi filmar nos filmes que produzi", reflete Schamus. A mãe encontra Olivia no hospital, quando Marcus precisa ser internado. A rejeição é imediata. Olivia não é uma boa influência, ela acha. Chantageia o filho. Tudo isso, a chantagem da mãe, a dureza do reitor, deve produzir indignação, mas não são pessoas do mal. "São perfeitamente razoáveis, em termos sociais. Acreditam naquilo", diz Schamus. O elenco é excepcional - Logan Lerman, que faz Marcus, Sarah Gadon, OlÃvia, e Tracy Letts, o reitor. A tragédia do filme está impressa numa frase do pai - "Às vezes escolhas insignificantes, até cômicas, levam a resultados terrÃveis." Na guerra, então... A sÃntese do filme é um vaso de flores. OlÃvia, tão desprezada, saberá que foi amada? Indignação é um grande filme.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo