22/03/2019 07h40
Leandro Hassum e o dilema de Hamlet
Leandro Hassum começa a gravar em maio sua participação na nova Escolinha do Professor Raimundo. Está um tantinho preocupado. "Quando me convidaram, já faz um tempo, disse que só faria o personagem do Costinha. O tempo passou, não se falou mais no assunto, pensei que o caso estava encerrado, mas aà alguém teve a ideia de me convidar para fazer o Mazarito e eu gravo em maio." E por que a preocupação? "Costinha era o mais desbocado comediante da sua geração. Eram a Dercy (Gonçalves) e ele. Costinha agradava à s famÃlias, mas o humor dele era muito preconceituoso contra gays. O público morria de rir. Como é que eu vou falar as coisas que ele dizia hoje em dia? Vão me trucidar como incorreto."
Mas o desafio está lançado e ele já começa a pensar na caracterização. Mesmo quando o figurino, a maquiagem não aproximam os novos alunos dos antigos, há um clima, e uma homenagem, que a Escolinha, com Bruno Mazzeo à frente, vem fazendo lindamente. E Hassum só pode pensar no personagem porque perdeu (muito) peso. Rir de gordo é fácil. A nova fase tem exigido mais elaboração. Hassum deixou seu refúgio na Flórida - em Orlando - e veio a São Paulo para lançar o novo filme, Chorar de Rir. A assessora diz que ele está pronto para a entrevista. Onde?
"Aqui, po..." Sem brincadeira - Hassum está do lado do repórter, que não o reconheceu. Magro, loiro, brinquinho. "O cabelo é ideia da minha filha", conta. Como ele mantém a linha? "Dieta, muito exercÃcio." E compensa? "O sexo está melhor", confessa. "No cinema tenho feito coisas para as quais, com certeza, ninguém me chamaria - o Teodoro de Dona Flor, a versão com Juliana Paes."
E Chorar de Rir? "A ideia não foi minha, mas entrei de cara." Toniko Melo, o diretor de VIPs, com Wagner Moura, sentiu o drama de Hassum. Como rei da comédia, ele sempre viveu à s turras com a crÃtica. Ingrid Guimarães tem o mesmo problema, o próprio Paulo Gustavo, cuja caracterização como Dona HermÃnia já é, em si, um tour de force, e isso antes mesmo que ele faça qualquer piada. Em Chorar de Rir, Hassum faz Nilo, um comediante no auge do sucesso. Seu programa de TV leva alegria à s multidões, ele ganha o prêmio de melhor do ano, mas, justamente na premiação, sente-se relegado. O humor não conta, só o teatro sério merece respeito. Até a ex, que ele nunca deixou de amar, agora integra o entourage do gênio de plantão, um diretor de teatro experimental, com um discurso metido a besta. Ali, no meio da premiação, Nilo tem o insight de mudar tudo. Em pleno programa, no ar, despede-se. Vai fazer Hamlet, e até contrata o gênio. Até que ponto o personagem é o próprio Hassum? "Essa briga com os crÃticos não é minha, é de todos os comediantes, mesmo os maiores. (Charles) Chaplin só ganhou um prêmio da Academia quando estava velho, Jerry Lewis só foi reconhecido como gênio na França."
Justamente, Jerry Lewis. O Ãdolo de Hassum. Jerry nunca teve medo de se desdobrar em múltiplos personagens, de 'interpretar'. "O roteiro do Toniko (Melo) me permitia isso. Homenageio o Jerry (O Professor Aloprado), tenho cenas de comédia rasgada, melodrama, terror. E eu me soltava. Isso só é possÃvel quando há uma relação de confiança com o diretor. Confiei no Toniko. Ele me estimulava, até nas caretas, e depois Ãamos ajustando."
"O humor é muito uma questão de timing. Perdeu o tempo, perdeu a piada. A gente tem uma relação particular com o público. Fiz a cirurgia de emagrecimento por uma questão de saúde, mas, na medida em que mudei a aparência, mudou o humor. Mudou tudo. Se eu, com meus 65 quilos a mais, chegava no balcão do aeroporto e dizia que não estava achando o RG, o atendente caÃa na risada. Se pedia um cafezinho na padaria, o funcionário estourava de rir. É muito louco isso. O humor já está no olhar de quem vê, no olhar que lançam sobre você." Hamlet, To be or not to be. O grande questionamento existencial da arte do Ocidente. As coisas começam a dar errado para Nilo na sua fase séria. O problema é um feitiço. Entra o Bruxo, ora quem? Sidney Magal.
Hassum ousa. Seus últimos filmes têm oscilado na bilheteria. Não Se Aceitam Devoluções fez 190 mil espectadores, O Candidato Honesto 2, 600 mil. É pouco para quem batia nos 3 ou 4 milhões. Chegaram a sugerir - alguns crÃticos? Desafetos? - que ele não era mais engraçado. Hassum muda, seu público se adapta. Chorar de Rir pode ter desequilÃbrios, mas é seu melhor filme pós-cirurgia. Levanta questões interessantes sobre a arte do ator, e o que significa representar. Ponto para o diretor. Hassum reflete - "Já vivi esses questionamentos. Todo palhaço é triste e usa aquela máscara para transformar em alegria a dor que muitas vezes sente." Com outras palavras, Hassum está repetindo Fernando Pessoa "O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente que finge ser dor a dor que sente de verdade." Quando começarem a rolar os créditos, permaneça firme. Ainda vêm algumas das cenas mais engraçadas. Na onda do herói, que quis ser levado a sério, outros comediantes também vão para o palco, fazer Hamlet. Fábio Porchat, Ingrid Guimarães. Ela bate boca com o diretor. Traz para a cena a discussão sobre gênero. Só por ser mulher não pode questionar(-se) - ser ou não ser?
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo