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15/06/2015 12h35

Longa 'O Jogador' critica a fogueira das vaidades

De início, O Jogador, de Robert Altman, se impõe pela forma. E que forma! Um plano-sequência de cerca de oito minutos, em que tudo acontece no fluxo da câmera, sem cortes. A referência, óbvia, é ao início de A Marca da Maldade (1958), de Orson Welles, com seu entrevero na fronteira também mostrado num plano cinematográfico de antologia. Altman/Orson, um produzindo eco ou rima ao outro, evocando aquilo que melhor se produziu no cinema norte-americano. Mas, se Welles usa seu plano-sequência para dar início a uma trama policial (ele mesmo interpretando o tira corrupto), Altman usa o seu para realizar um corte transversal naquilo que conhece bem - a fogueira das vaidades em Hollywood. Tanto num caso como no outro, no interior desse plano ininterrupto acontece uma sequência de fatos que servem como introdução e súmula da história.

E há o, digamos assim, enredo. Griffin Mill (Tim Robbins) é um executivo de estúdio que, após vários fracassos de bilheteria, sente-se pressionado. Além do mais, passa a receber ameaças de morte de um roteirista rejeitado. Mas qual deles, já que são tantos os preteridos? A trama é bem bolada, mas, para ser franco, se encararmos uma história como algo que tem um princípio, um meio e um fim, esta será mais importante por seu percurso que por seu desfecho.

Vale dizer que, com essa aventura hollywoodiana repleta de humor, Altman usa sua verve para criticar o sistema de estúdios, sua exigência cega do sucesso, a competição interna acirrada à loucura, enfim tudo isso que produz um ambiente devastador de egos muito pouco cooperativos e dispostos a se afirmar a qualquer preço. Nesse sentido, O Jogador é também irmão de Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950), de Billy Wilder. Só que, claro, os registros são outros. Wilder, com seu estudo sobre a diva do cinema mudo (Gloria Swanson) levada à loucura e Altman com o excesso de competição conduzindo ao seu desfecho lógico, o crime.

Além disso, Altman, pelo menos neste filme, leva a melhor sobre Wilder, em termos de humor. O austríaco Billy Wilder assina algumas das melhores comédias de todos os tempos - Quanto Mais Quente Melhor, O Pecado Mora ao Lado e Primeira Página, para ficar apenas nestas três. Altman também era craque no registro, bastando apenas lembrar de M.A.S.H., a impiedosa sátira antimilitarista que marcou época. Mas a nota dominante de Crepúsculo dos Deuses tende mais para o trágico. Já seu equivalente, O Jogador, pende para a comédia. Uma comédia extraordinária, cheia de humor negro. Daquelas que nos lembram o poeta romano Horácio, autor da frase "Rindo, se castigam os costumes". Ou seja, a comédia como veia crítica, o riso como lâmina de aguda contestação.

Hollywood não é muito chegada a uma autocrítica. Apenas grandes autores, diretores acima do bem e do mal, conseguem usar os próprios estúdios em que trabalham para criticá-los. Wilder, para citá-lo mais uma vez, conseguiu, com Crepúsculo dos Deuses. Até mesmo contando com a participação do consagrado diretor Cecil B. de Mille interpretando a si próprio. Altman, em 1992, havia atingido patamar semelhante. Podia falar mal de Hollywood, usando-a como veículo. E também podia contar com as estrelas que quisesse. Era já aquele diretor com o qual todos queriam trabalhar pelo menos uma vez na vida. Desse modo, além de Tim Robbins no papel principal, O Jogador conta com um elenco estelar, gente famosa às vezes fazendo pontas ou interpretando a si mesma, como Fred Ward, Julia Roberts, Sydney Pollack, Whoopi Goldberg e outros.

De qualquer forma, O Jogador atestava, no início dos anos 1990, que ainda havia vida inteligente nos estúdios. A indústria do cinema respirava um ambiente liberal no qual críticas eram permitidas, mesmo aquelas dirigidas contra o próprio sistema que financiava os filmes. Inútil dizer que essas condições fazem parte do passado. Vale curtir, de novo, este momento de luz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: Estadão Conteúdo
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