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10/11/2015 11h09

Marcia Haydée reinventa 'Dom Quixote' com obras de Portinari e Drummond

Marcia Haydée sempre foi um espírito livre. Mas foi com o coreógrafo John Cranko (1927-1973) - criador de alguns dos balés mais importantes do século 20 - que descobriu como usar a liberdade na arte para a qual sempre acreditou estar predestinada. Ao longo de quase seis décadas de carreira, porém, aprendeu que alguns sonhos demoram mais para serem concretizados do que outros. Um deles, em especial, será realizado somente agora. Na quinta-feira, 12, estreia a primeira obra que Marcia cria para o Brasil, O Sonho de Dom Quixote, da São Paulo Companhia de Dança (SPCD).

Diretora da companhia paulista, Inês Bogéa tomava café com Marcia em um evento no Chile, quando a questionou sobre quantas coreografias havia feito no País. A niteroiense de 78 anos respondeu: "Criação mesmo, nenhuma". "Para mim, foi uma enorme surpresa. Então, falei: 'Vamos fazer algo juntas'", conta Inês.

Para a SPCD, a coreógrafa decidiu recriar Dom Quixote, um tradicional balé baseado no livro de Miguel de Cervantes. Tinha o desejo de fazer uma obra completamente diferente das adaptações já existentes. Queria algo brasileiro, desenvolvido por um time também brasileiro.

Com Cranko, Marcia adquiriu outra virtude, uma que nem sempre é costumeira a artistas de seu porte. Ela sabe e gosta de ouvir pessoas. Com frequência, as sugestões dos parceiros são incorporadas aos seus projetos. Para a cenografia, Inês sugeriu Hélio Eichbauer - um dos principais nomes da área no País. Foi dele a ideia de usar no cenário a série de 21 desenhos que Candido Portinari (1903-1962) fez inspirado na obra de Cervantes e permear o balé com os poemas que Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) escreveu influenciado por eles. "Quando falou Portinari, não precisou dizer mais nada. Sempre fui fascinada por pintura e por ele", afirma a coreógrafa.

A companhia, então, entrou em contato com João Candido Portinari, filho do pintor e diretor do Projeto Portinari. Ele imediatamente apoiou a ideia e cedeu o uso das imagens - que ganharam reproduções de até 8 metros de altura. E foi ele quem trouxe outro importante acréscimo para o trabalho: as gravações de músicas que o violonista clássico Norberto Macedo (1939-2011) compôs para cada um dos poemas de Drummond.

Segundo Marcia, ter as artes plásticas, a literatura e a música brasileiras ao seu dispor é muito mais do havia sonhado. Quando o projeto começou, a única certeza era a de que queria um Dom Quixote jovem e que dançasse em cena, não um velho e frágil cavaleiro, que fizesse apenas pantomimas. Logo no primeiro dia de trabalho com a companhia, encontrou a personificação de seu protagonista, Joca Antunes, bailarino da SPCD desde 2008. "É um trabalho em conjunto, uma equipe. E os bailarinos dão vida ao meu sonho."

A coreógrafa, que não acredita em limites, decidiu colocar os 40 bailarinos da companhia em cena. "É maravilhoso, mas se alguém se machuca, uma pessoa tem de dançar dois papéis, o que, às vezes, não é muito simples. Mas é o desejo dela de que todos estejam dançando", afirma Inês. Em cerca de uma hora e meia do balé - dividido em dois atos -, Marcia quer que a plateia também viva a festa e os devaneios encenados no palco.

Vida

Marcia começou a trabalhar com o homem que a moldou como artista em 1961 no Stuttgart Ballet, na Alemanha. Ela havia feito uma audição para o corpo de baile, mas recebeu das mãos de Cranko um contrato de primeira-bailarina. Desde o começo, ele dizia que ela o entendia. O coreógrafo criou seus balés mais importantes para a brasileira, entre eles Onegin e a versão de Romeu e Julieta. Foi no Stuttgart também que Marcia formou com o americano Richard Cragun (1944-2012) um dos casais mais célebres da dança.

Quando Cranko morreu, em 1973, Marcia quis parar de dançar. "O Ricky que me segurou e, depois, a companhia também." Três anos mais tarde, Marcia assumiu a direção do Stuttgart, sem abandonar o posto de primeira-bailarina. Transformou-se na musa de outros coreógrafos, como Kenneth MacMillan, Maurice Béjart e John Neumeier.

"Nunca tive medo de fazer coisas novas. A única coisa que sabia é que eu tinha de dançar, representar ou estar no teatro até o dia em que Deus diga: 'Marcia, agora você tem de vir para cá'. Mas até lá, vou estar sempre com bailarinos, com teatro, porque é minha vida. Sem isso, não seria possível viver." A brasileira deixou o Stuttgart em 1996. Hoje, dirige o Balé de Santiago, no Chile.

Ao longo de sua trajetória, ocupou um lugar privilegiado, no qual pôde ver e viver as principais transformações pelas quais a dança passou no pós-guerra, até se tornar a arte que é hoje. Mas pelo caminho, Marcia também testemunhou a partida de muitos amigos, alguns dos maiores ícones da dança e seus grandes amores. "Agora, ao me lembrar dos momentos de sofrimento, foi quando eu mais aprendi. Não tenho medo do sofrimento. Não me deixo abater. Porque eu adoro a vida. É um presente e você não pode perder tempo. A cada dia que me levanto pela manhã, ponho os pés no chão e digo: 'O melhor ainda está para vir'."


O SONHO DE DOM QUIXOTE
Teatro Sérgio Cardoso. Rua Rui Barbosa, 153, B. Vista, 3288-0136. 5ª e sáb., às 21 h; 6ª, às 21h30; dom., às 18 h. R$ 15/ R$ 30. Até 22/11.


As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: Estadão Conteúdo
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