13/04/2017 09h48
'Martírio' mostra luta dos guaranis-caiovás pela retomada de suas terras
São quase três horas de bombardeio de imagens e informações fortÃssimas. MartÃrio, de Vincent Carelli, que estreia nesta quinta-feira, 13, talvez seja mais uma grande reportagem do que um grande filme, mas, seja o que for, é um programa necessário. Carelli, que assina o filme com Ernesto de Carvalho e Tati Almeida, é cineasta e indigenista. Dirige o programa VÃdeo nas Aldeias, que forma cineastas indÃgenas. Há anos, realizou Corumbiara, que venceu o Festival de Gramado e é belÃssimo. Fez na sequência MartÃrio, que ganhou o prêmio do júri em BrasÃlia no ano passado. Ambos integram uma trilogia com Adeus, Capitão, que ainda está em processo.
MartÃrio integra a Sessão Vitrine, com que a distribuidora Vitrine, em parceria com a Petrobras, está levando filmes brasileiros importantes a 21 cidades de todo o PaÃs. O lançamento ocorre em 30 salas, o que significa que cidades como São Paulo terão mais de uma alternativa de local e horário. Logo no começo, um letreiro informa que MartÃrio foi produzido pela sociedade civil brasileira. O tema é a luta dos guaranis-caiovás pela retomada de suas terras. Carelli ouve os Ãndios, vai a encontros de ruralistas, ao Congresso brasileiro.
O filme faz o que o jornalismo tem de fazer - dá a palavra a todo mundo, mas tem um partido e, em BrasÃlia, Carelli deixou claro. "É a história do Brasil da perspectiva dos Ãndios." O filme vai à origem do imbróglio. Um texto antiquÃssimo, da época do Império, que se refere à s terras dos Ãndios como devolutas. Tudo começou na Guerra do Paraguai e prossegue, até hoje, nessa outra guerra com o agronegócio, que não reconhece a legitimidade da luta dos guaranis-caiovás. Ruralistas falam em Ãndios paraguaios, dizem que não pertencem à s terras em litÃgio. Os caiovás fazem narrativas orais, mostram seus cemitérios. Carelli diz que fez MartÃrio para esclarecer o drama. Acrescenta que a oposição entre a sobrevivência dos Ãndios e a manutenção do agronegócio, tão decisiva para a economia brasileira neste ano de safra recorde de grãos, é um falso problema. "Tem lugar para os Ãndios e tem lugar para o agronegócio. Uma coisa não impede a outra. Os Ãndios não estão pedindo nenhum absurdo."
Carelli é duro. Aponta a responsabilidade do Estado brasileiro. "Foi o Estado que levou a essa expropriação das terras indÃgenas. Quem arrendou e depois loteou essas terras, quem se omitiu no reconhecimento, tudo isso quem fez foi o Estado, num processo que começou no Império e prossegue ao longo da história recente." Em face do clima de beligerância, Carelli não vê outro jeito de virar o jogo - "O Estado brasileiro tem de pedir perdão aos Ãndios. Tem de se declarar culpado, como fez o Canadá. Só isso permitiria desfazer o nó dos processos judiciais relacionados a essas disputas." E Carelli clama - "Isso aqui não é a época dos bandeirantes, muito menos a SÃria para que a gente tolere esses homicÃdios à bala em pleno século 21." Mas não é isso que se desenha no horizonte. Sobram, no filme, crÃticas ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff, mas isso não significa que as coisas tenham melhorado. "O ministro da Justiça de (Michel) Temer, Osmar Serraglio, faz parte da bancada ruralista. Então, não dá para ser otimista com relação a esse governo. O martÃrio vai continuar."
O diretor não poupa nem o Supremo Tribunal Federal, a quem acusa de haver dado um golpe jurÃdico ao estabelecer, no julgamento da demarcação da reserva de Raposa/Serra do Sol, em 2009, o chamado marco temporal. "Isso significa que só terá direito a suas terras o Ãndio que já estava nelas na promulgação da Constituição de 1988. É um erro gravÃssimo, como se o Supremo estivesse zerando a história dos Ãndios." A luta continua. No Congresso, a senadora Kátia Abreu diz, com todas as palavras, que depois do MST e do Código Florestal, o adversário agora é a questão indÃgena, "que nós vamos derrotar".
Nas imagens de MartÃrio, os indiozinhos, numa cerimônia de iniciação, correm belos e felizes. Viram adultos destruÃdos pela dificuldade da sobrevivência. "Nós tÃnhamos a mata e os rios. Hoje, vivemos de cesta básica", diz um deles. E não se pode esquecer da fala de Aristides Junqueira, quando era procurador-geral da República. Em visita a áreas sob disputa, ele diz que um boi nelore não pode valer mais que um Ãndio, uma criança. MartÃrio é duro. Pode ser um martÃrio para quem quer ver Velozes e Furiosos 8, mas é importante como proposta para elucidação de um drama brasileiro dolorosamente real. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo