17/04/2017 08h36
O amor em tempos de dor
Em 1984, ano que antecedeu o fim da ditadura militar no Brasil, Ivan Lins lançou a música Aos Nossos Filhos, conhecida na voz de Elis Regina. Um recado a uma geração que cresceu durante um dos perÃodos mais tristes da história do PaÃs. "Perdoem por tantos perigos/Perdoem a falta de abrigo/Perdoem a falta de amigos/Os dias eram assim", diz um dos trechos.
Não à toa, é essa canção que embala a abertura da novela Os Dias Eram Assim, que estreia nesta segunda, 17, na Globo, na faixa das 23 horas, primeiro trabalho de Alessandra Poggi e Angela Chaves como titulares. A direção é de Carlos Araújo.
O primeiro capÃtulo, disponÃvel há seis dias no Globo Play, é perturbador - no melhor sentido do termo. Pega até mesmo o mais desatento dos telespectadores pelas mãos e o leva a um passeio por um ambiente hostil e perverso, onde a liberdade era controlada pelos donos do poder, e o machismo e o preconceito imperavam em alto e bom som.
Navegar contra essa corrente resultava em opressão, prisão, tortura e, em alguns casos, na morte. Parte disso foi exibido logo nos primeiros minutos da trama. E muito mais está por vir ao longo dos outros 87 capÃtulos.
Não se trata, no entanto, de um trabalho documental. As autoras apresentam o argumento como uma história de amor à la Romeu e Julieta, porém inserida em um contexto mais fiel à nossa realidade. Acompanha a trajetória de Alice (Sophie Charlotte) e Renato (Renato Góes), dois jovens que se apaixonam à primeira vista, mas têm o amor sabotado pelo conflito familiar.
"É uma época de nossa história que é muito rica. A gente queria contar uma história de antagonismo entre famÃlias, como se fosse um Romeu e Julieta. Pensamos em fazer uma história de amor de um casal que se apaixonasse à primeira vista, e que tivesse um antagonismo. E achamos interessante situar nessa época por ter famÃlias com pensamentos muito diferentes, intolerantes, cada um à sua maneira. E também por não ser um perÃodo muito retratado na televisão. A nossa ideia foi fazer dessa repressão como pano de fundo, mas a história não é só sobre isso. Esse é apenas o inÃcio dela", explicou Angela Chaves, ao jornal O Estado de S. Paulo.
A história começa no dia 21 de junho de 1970, dia em que a seleção brasileira conquista o tricampeonato mundial. Alice, uma estudante de Letras à frente de seu tempo, está noiva do advogado Vitor (Daniel de Oliveira), braço direito de seu pai, Arnaldo Sampaio Pereira (Antonio Calloni), dono da construtora Amianto. Trata-se de um homem opressor, que enriqueceu graças à amizade que estabeleceu com os militares que estavam no poder.
Nessa data, ele recebeu em sua casa um grupo de generais para assistir à partida e celebrar a assinatura de um contrato superfaturado entre sua empresa e o governo.
Repreendida pelo pai por usar um vestido curto e batom vermelho na frente dos generais, Alice sai de casa para esfriar a cabeça e conhece, em um bar, o médico Renato. O encantamento é mútuo e os dois engatam, naquele local, um romance. Que terá dia, hora e motivo para acabar.
"O foco principal da história são os conflitos familiares, com um pano de fundo diferente", explica Alessandra Poggi. "O que move o vilão, embora sejam suas convicções, principalmente é o desejo de separar a filha daquele rapaz. Os conflitos acabam sendo muito pessoais. A sacada da trama é falar sobre o poder que algumas pessoas tinham para estar entre exceções dentro daquele universo e usar aquilo em favor pessoal."
Embora a história que irão contar seja um conflito familiar, as autoras deixam evidente suas opiniões sobre o perÃodo em que a trama é ambientada e não temem a rejeição da parcela do público que, nos dias de hoje, clama pelo retorno da intervenção militar. "Talvez essas pessoas que peçam a volta da ditadura não tenham um conhecimento dessa época. Nesta história, a gente parte de um denominador comum, de que a democracia é o melhor para a sociedade. A gente quer a liberdade e vamos falar sobre a importância da liberdade", pondera Alessandra.
Imersão
Desde 2015, quando iniciaram o argumento de Os Dias Eram Assim, as autoras revisitaram os anos 1970 e 1980, e tiveram o apoio do jornalista e filósofo Luiz Carlos Maciel, especialista no perÃodo, em suas pesquisas. Embora o que se verá na tela seja uma reprodução dos ambientes e dos costumes da época, a fala das personagens é bastante contemporânea.
"Preferimos não usar tantas gÃrias da época para não ficar uma fala muito marcada", explica Alessandra. "Como tem um público jovem que assiste à s novelas, optamos por algo menos datado, para as pessoas não se estranharem com a fala e também para não soar como algo caricatural. Tinha uma fala da Alice, por exemplo, que ela dizia: 'esse pessoal é muito quadrado'."
O Luiz Carlos Maciel nos disse que, nessa época, ninguém falava isso. A gÃria correta era "careta". "Esses detalhes a gente procurou não errar, mas não foi uma grande preocupação retratar a linguagem da época.", completa Angela.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo