05/03/2015 08h35
Para diretor, 'Força Maior' reflete a família
Em Cannes, no ano passado, Ruben Östlund terminou virando a sensação da Mostra Un Certain Regard, mesmo que, no final, o júri presidido por Pablo Trapero tenha outorgado o prêmio da seção ao húngaro White Dog, de Kornel Mundruczó. Mas Östlund não foi esquecido - Força Maior ficou com o Grande Prêmio do júri. Desde o Q&A (Pergunta&Resposta) que se seguiu à apresentação para a imprensa, Östlund repetiu sempre que quis fazer da sua avalanche - o filme sobre as consequências de uma avalanche num resort dos Alpes - uma viagem de esqui (a ski trip) para o inferno.
Acertou em cheio. Força Maior atinge o espectador com a força verista de sua mise-en-scène e mais - com os detalhes que fazem dessa história (já que o diretor queria enviar o espectador para o inferno) uma trama de terror absoluto. O público que vê o trailer pode pensar que se trata de um novo ImpossÃvel - lembram-se do disaster movie de Jaume Coillet com Naomi Watts e Ewan McGregor? Casal passa férias com os filhos num resort marÃtimo, ocorre um tsunami, instala-se o inferno. ImpossÃvel é uma fantasia que segue os esforços conjugados do marido para localizar a famÃlia e do filho para proteger a mãe.
Força Maior poderia ser o ImpossÃvel das avalanches. E bem possÃvel, por sinal.
Östlund fez outra coisa. O filme dele remete a Lord Jim, o romance clássico de Joseph Conrad, do qual Richard Brooks tirou um filme notável - com Peter OToole -, nos anos 1960. Em Conrad, como no Brooks, o sugestionável Jim é um marujo a bordo de uma embarcação que carrega peregrinos, o Patna. Diante da iminência de naufrágio, ele se apavora, e foge. Vira um pária, desesperado por uma segunda chance para provar a si mesmo que não é um covarde. No filme de Östlund, diante da avalanche que ela sente que poderá soterrá-la, e aos filhos, a mulher grita pelo marido. Ele foge. Depois, passado o alarme falso, o marido volta, e tenta convencê-la de que não a abandonou.
Se a situação do casal já era complicada - a ideia era passar um dias no resort para que o pai omisso ficasse mais tempo com os filhos -, após o incidente as coisas pioram mais ainda. A mulher conta aos amigos, cria-se uma discussão. Ele é massacrado moralmente, tenta provar a si mesmo que não é um covarde. O diretor Östlund gosta dessas situações-limite. Ele já havia sido selecionado em Cannes para as seções Un Certain Regard e Quinzena dos Realizadores. Tanto Involuntary quanto Play subvertem cânones. O desafio do primeiro, por meio da história de uma professora e seus alunos, era desenvolver cenas, filmadas em plano único para testar as reações dos atores não profissionais. O segundo é sobre um grupo de garotos negros que rouba garotos brancos num jogo de afirmação.
Filho de uma professora, Östlund conta que a mãe sempre foi dada a fazer experiências de comportamento com os filhos. Ele próprio é muito ligado em pesquisas, e para Força Maior buscou apoiar-se em dados reais para criar a verossimilhança. Duas pesquisas interessaram-no, particularmente. Uma sobre casais que sobreviveram a sequestros aéreos e outra sobre casais em desastres marÃtimos. Na primeira, os casamentos implodiam tão logo os casais voltavam à s condições, digamos, normais. Na segunda, os homens, nem que tenha sido por um momento, fragilizaram-se mais que as mulheres. E depois veio a cobrança - 'Eu esperava que você tivesse feito isso, ou aquilo.' Como disse Östlund, nenhum casamento resiste a esse tipo de pressão - nenhuma pessoa.
Para o diretor, Força Maior não é sobre avalanche, mas sobre famÃlia. Que tipo de famÃlia queremos? O que fazemos com elas, ou por ela? Tomas, o pai, termina por se distanciar da famÃlia dando duro como seu provedor. No fundo, preocupa-se mais consigo mesmo. Como diz Östlund, "o cinema gosta de personagens que perdem a dignidade porque é interessante mostrar o esforço de recuperação". Lord Jim é sobre isso. "Nos meus filmes, é um fato. A dignidade perdida não pode mais ser recuperada." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo