15/07/2016 10h30
Sábato Magaldi foi peça chave na leitura de Nelson Rodrigues
Os estudos de Sábato Magaldi sobre a obra de Nelson Rodrigues são incontornáveis para quem tem - e também para quem não tem - planos de encenar peças do autor. É possÃvel arriscar que todas as recentes montagens dos textos de Rodrigues foram guiadas pela divisão formal, em categorias, estabelecida por Magaldi, autor de um ensaio seminal sobre a presença do mito na dramaturgia do autor pernambucano (carioca por adoção).
Em seu livro Teatro da Obsessão, Magaldi chama a atenção, por exemplo, para a antológica montagem de Nelson Rodrigues, o Eterno Retorno (1981) por Antunes Filho e o Grupo MacunaÃma, feita sob o impacto da leitura do historiador e mitólogo romeno Mircea Eliade: a emergência de uma nova vida após o caos, o aniquilamento, a destruição do núcleo familiar. Nunca antes, na história do teatro brasileiro, Nelson Rodrigues fora visto dessa maneira, sendo quase sempre reduzido a um dramaturgo vulgar, sem vÃnculos com a tradição teatral erudita.
Pois é justamente a análise de Os Sete Gatinhos em Teatro da Obsessão que estabelece uma conexão inaudita entre Nelson Rodrigues e Édipo Rei de Sófocles, ao destacar o sacrifÃcio do patriarca - ritualÃstico, em sua essência - para que a unidade familiar seja preservada. Classificada entre as "tragédias cariocas" do autor por Magaldi, Os Sete Gatinhos era tratada antes de Magaldi como um manual de perversões sexuais. Eram, enfim, desprezados a dimensão psicológica e o conteúdo mÃtico da peça.
Magaldi dividia o teatro de Nelson Rodrigues em três categorias: peças mÃticas, psicológicas e tragédias cariocas. Ao prefaciar o Teatro Completo de Nelson Rodrigues, o crÃtico explica que adotou o critério cronológico para facilitar ao leitor a tarefa de entender os procedimentos dramáticos do autor, mostrando como a irrupção no território mÃtico com Ãlbum de FamÃlia (1945) levou Rodrigues a evocar a tragédia grega e mergulhar no inconsciente primitivo.
Dois anos antes de Ãlbum de FamÃlia, a estreia da polêmica Vestido de Noiva (1943), sob a direção de Ziembinski, definiria o marco zero das "peças psicológicas" do autor, segundo a divisão formal de Magaldi. Nela, a fronteira entre a memória e alucinação é tênue, como observa o crÃtico, o que deu ao dramaturgo a oportunidade de mostrar seu desprezo - ele que era jornalista - pela realidade.
Ao agrupar as tragédias cariocas, talvez o núcleo com as peças mais populares de Rodrigues (A Falecida, Boca de Ouro, O Beijo no Asfalto, Toda Nudez Será Castigada, entre outras), Magaldi escreveu o ensaio definitivo sobre ele, equiparando-o em ao teatro de Shakespeare.
Fonte: Estadão Conteúdo