21/12/2022 09h10
Um marchand de Nova York quer promover a arte do Brasil
A liderança do mercado mundial de arte pertence ainda aos Estados Unidos. É um fato incontestável. Tem sido assim desde o fim da 2.ª Guerra Mundial com a vitória dos Aliados, que deslocou o eixo da arte da Europa para a América. No ano passado, o paÃs ultrapassou a China e o Reino Unido, respondendo por 43% da arte vendida em todo o mundo. Não espanta que a visita de um marchand americano importante ao Brasil provoque frisson. O mais recente é o galerista de origem irlandesa David Nolan, dono da galeria que leva seu nome em Nova York, onde se estabeleceu em 1987.
Ele esteve em São Paulo conversando com galeristas e diretores de museus. Em entrevista exclusiva ao Estadão, Nolan e sua mulher Valentina Branchini, que recentemente abriram uma exposição individual do pintor Paulo Pasta em sua galeria nova-iorquina (em cartaz até dia 23), confirmaram que o mercado americano está, de fato, num bom momento (as vendas aumentaram 31.5% do ano passado para cá, recuperando a queda verificada durante a epidemia do coronavÃrus em 2020). E, melhor de tudo, num momento receptivo a artistas estrangeiros.
O êxito da mostra de Pasta animou o galerista e sua mulher a pensar numa exposição ainda mais ambiciosa, reunindo o pintor paulista, mais Alfredo Volpi (uma de suas referências) e o escultor carioca Sérgio Camargo. "Ainda é um projeto em andamento, mas acho que a conversa entre a obra dos três é intensa, especialmente no que se refere ao uso da luz, tanto na pintura de Volpi e Pasta como na escultura de Camargo", diz Nolan.
O marchand tem um olhar especial para estabelecer conexões como essa. Antes de se fixar nos Estados Unidos ele morou na Alemanha, onde se interessou pela arte do expressionista - e antinazista - alemão Georg Grosz (1893-1953), de cujo espólio é hoje representante em Nova York. Grosz emigrou para os Estados Unidos em 1933 com a ascensão de Hitler. Deu aulas para sobreviver, abjurando sua obra anterior, especialmente as caricaturas, e se deu bem com sua nova pintura americana.
COM VOLPI
Nolan é capaz de ligar a arte de Grosz a um pintor como Rosenquist (1933-2017), pioneiro da arte pop americana, o que comprova sua boa visão - artÃstica e comercial. Sua primeira exposição em Nova York, em 1987, uma individual do pintor Sigmar Polke, aliás, provou que a herança de Grosz estava viva na Alemanha, especialmente o humor - Polke foi um dos criadores do "realismo capitalista", gênero que é um cruzamento hÃbrido entre propaganda e pintura.
Os tempos mudaram. A exposição de Paulo Pasta vai em outra direção. É pintura contemporânea que resiste ao anedótico e se afirma pela reverência ao passado, especialmente aos pré-renascentistas. "Paulo pinta no limite entre o material e o imaterial", diz Valentina, estabelecendo um vÃnculo insuspeito entre a pintura do brasileiro e a arquitetura do mexicano Luis Barragán (1902-1988), único em seu paÃs a receber o prêmio Pritzker. Curiosa comparação, considerando que uma das telas de Pasta em exposição faz referência a uma Anunciação de Duccio, subtraindo os personagens (a Virgem e o anjo) para ficar com a arquitetura e o cromatismo renascentistas, que também caracterizam os prédios de Barragán.
"Só que sua pintura tem luz própria, reconhecÃvel entre tantas outras", observa Nolan sobre Pasta, que conheceu por meio do curador Simon Watson. "Fiz um teste com o escritor Colm Tóibin no meu escritório, perguntando qual a nacionalidade do pintor das telas expostas", conta o galerista. Tóibin, que esteve no Brasil várias vezes, acertou na mosca. E acabou comprando sua primeira pintura de Paulo Pasta.
"Quando se fala em Brasil há sempre uma expectativa de algo que choque pelas cores ou pelos temas - como Tunga -, mas Pasta é diferente. Exige contemplação e tempo, pois sua pintura muda a cada vez que você passa por ela", diz Nolan. Ele coloca o pintor brasileiro ao lado de artistas como os norte-americanos Ellsworth Kelly, Brice Marden e Richard Diebenkorn. Companhia melhor, impossÃvel.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo