18/09/2017 09h00
'Vazante', aplaudido no cinema, massacrado no debate
Primeira sessão competitiva do festival e um filme polêmico já pintou na tela do Cine BrasÃlia - Vazante, de Daniela Thomas. Em preto e branco, com sua temática ligada ao tempo da escravidão no Brasil, começou tarde da noite, depois das 23h, mas conseguiu segurar a plateia até o final e foi bastante aplaudido.
Na apresentação do longa, Daniela fez um discurso polÃtico, mas não de simples protesto. Registrou que a sua geração havia convivido com a ditadura militar e, agora, traços do autoritarismo renasciam, como se estivessem adormecidos e voltassem renovados à superfÃcie do panorama nacional. Referia-se, claro, aos recentes retrocessos no campo moral, como o fechamento da exposição Queermuseu, em Porto Alegre, e a proibição de uma peça de teatro no interior de São Paulo. Sintomas deste "paÃs difÃcil", como ela definiu. Um paÃs sujeito a uma força gravitacional que o impede de avançar, quanto mais decolar.
Seu filme, ao remontar à escravidão, prospecta os materiais de construção deste Brasil atrasado, injusto, senhorial, machista e patriarcal. Faz uma espécie de anti-Casa Grande & Senzala cinematográfico, sem os rebuscamentos atenuantes da miscigenação amorosa, presentes na obra-prima de Gilberto Freyre.
No entanto, embora aplaudido no cinema, o filme foi massacrado durante o debate. Os negros presentes à sala o acusaram de adotar ponto de vista branco e conformista diante da situação racial brasileira. Daniela disse que, de fato, não quisera em seu projeto adotar o ponto de vista do protagonismo negro e nem poderia fazê-lo. Falava do seu lugar, de mulher branca de classe média, porém simpática à causa negra e crÃtica do patriarcado escravista, matriz de construção do edifÃcio arcaico chamado Brasil e que perdura praticamente intacto até hoje.
Nem assim as crÃticas arrefeceram e a diretora mostrou-se disposta a ouvi-las. Chegou a confessar que, diante de tal recepção negativa, talvez hoje não fizesse o filme. Um crÃtico chegou a aconselhá-la a não lançá-lo.
Fazia tempo que não se via debate tão acirrado em festivais de cinema. Descontados alguns exageros e irracionalidades, o calor das crÃticas é sintoma saudável de que, sob a aparência da pasmaceira generalizada, setores da sociedade estão vivos e atentos. E prontos para a luta.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo